quarta-feira, 18 de maio de 2016

"Merda" prá Cultura


No livro “A Civilização do Espetáculo”, o escritor peruano Mário Vagas Llosa, refletindo sobre a cultura contemporânea, afirma, “se tudo é cultura, nada é cultura”. Cito esta frase para comentar sobre os “movimentos culturais” que estão se manifestando contra a decisão do atual governo Temer de decretar (até o presente momento), o fim do Ministério da Cultura, anexando o setor ao da Educação.
A pergunta é: de que “cultura” estamos falando?
Isto porque, se conceituar o termo já é difícil, o que dirá falar sobre o assunto de uma forma genérica como se a palavra por si representasse todas as pessoas que atuam na área neste país continental e que estas têm os mesmos objetivos, necessidades, orçamentos, instrumentos, materiais etc.
Existem milhões de atores, por assim dizer, (sobre) vivendo do que se pode denominar de arte e cultura no Brasil. Neste cenário tão múltiplo, tão diversificado, coabitam grandes, médios, pequenos e micros artistas e produtores com orçamentos que variam de mil, a milhões de reais.
Quem pode falar em nome da Cultura?
Assim, aqueles que defendem, sem negociação, a existência do Ministério da Cultura, estarão lutando pelos mesmos interesses de todos que atuam na área? Sem juízos de valor, um ator de novela da TV Globo tem os mesmos ideais, os mesmos objetivos, vive a mesma realidade de um repentista do Nordeste?
Mais importante que o status de “ministério”, a Cultura necessita de políticas públicas federais, estaduais e municipais que possam garantir a dignidade e a possibilidade de sustentação ao setor, incluindo as leis de incentivo, as parcerias público-privadas, o permanente apoio da mídia, o acesso do público ao teatro, a música, as artes plásticas etc.
Sou (até porque tenho livros publicados e faço parte de um espetáculo musical) um simples soldado da cultura, acreditando que ela nos resgata a sanidade necessária para viver as outras facetas do cotidiano. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.
Contudo, a cultura está inserida dentro de um cenário político-econômico-social e deve, além da emoção, usar o raciocínio e a contextualização. É preciso ir além das nomenclaturas, dos rótulos e das gavetas burocráticas. Defender a cultura vai muito além disso. É necessário ter política cultural, estrutura administrativa, gestão, qualificação, treinamento, marketing, estratégias de mercado para a sua sustentabilidade. Se teremos isto em um ministério, ok: Ministério da Cultura. Se teremos isto atrelado a um setor: Ministério da Educação e Cultura, ok.
O Ministério da Cultura gastou o ano passado, segundo consta, R$ 1,7 bilhão de reais. Comunicações? R$ 1,3 bilhão. Sabe o valor gasto em saneamento no mesmo período? 1,2 bilhão. Habitação? R$ 82 milhões. Assistência à criança e ao adolescente: R$ 50 milhões. Podemos pensar em cultura, sem saneamento, habitação e assistência às crianças e adolescentes?
Para não me estender em um assunto tão complexo e sem pretender esgotar o assunto, espero que todos aqueles que defendam a Cultura, continuem defendendo-a acima dos interesses pessoais, pensando no país e na sua gente.
Por tudo, “merda” para a Cultura, ou seja, boa sorte!