domingo, 28 de novembro de 2010

Rio, tempo de estio

A imagem que a maioria de nós tem do Rio de Janeiro é aquela de um cartão postal com natureza privilegiada, praias e recantos, em uma das mais belas composições do criador. Por sua vez, o homem cantou também a beleza do Rio, através de dezenas de canções ao longo do tempo. Desde o hino oficial da cidade, “Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil...” (Cidade Maravilhosa -André Filho), passando por “Moça do corpo dourado do sol de Ipanema...“ (Garota de Ipanema – Tom Jobim/Vinicius de Moraes), até “Do Leme ao Pontal, não há nada igual...” (Do Leme ao Pontal-Tim Maia). Como não cantar “Rio, seu mar, praia sem fim, Rio, você foi feito prá mim...” ? (O Samba do Avião-Tom Jobim). Ou mesmo, “O Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro continua sendo...”. (Aquele abraço- Gilberto Gil). A cidade nos legou maravilhosos músicos e poetas: Milton Nascimento, Ivan Lins, Jorge Benjor, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Tim Maia, Carlos Lyra, João Nogueira, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Noel Rosa, Cartola e tantos outros.
Mas, a natureza é dual: onde há luz, há sombra, onde existe riqueza, insiste a miséria. A natureza carioca encanta aos olhos, mas, a vida real desencanta a muitos e a droga surge como um elixir que parece tornar a beleza permanente, a alegria infindável. Na paz do azul do mar carioca, o reflexo nos morros que circundam a cidade, é o da guerra de longa data entre os chefes do tráfico. No final da década de 70, nascia o Comando Vermelho (CV), que auxiliado pela política de segurança pública que proibia a polícia de atuar nos morros, fez valer ao longo do tempo, a expressão “crime organizado”, na relação entre os traficantes e os cartéis da Bolívia e da Colômbia e nas conquistas graduais das bocas de fumo. Dos desafetos do CV, surgiu o Terceiro Comando e mais tarde, em 1994, o Amigos dos Amigos (ADA). Paralelamente ao aparecimento de novas facções, os comerciantes cariocas começaram a pagar policiais para garantir a segurança: surgiram as milícias – grupos paramilitares convivendo e disputando com os traficantes o espaço da violência e da extorsão. “Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos...”. (Rio 40 graus- Fernanda Abreu).
Hoje, assistimos pela TV, cenas que parecem retiradas de um filme, um “Tropa de Choque-3”: tanques, helicópteros, armamento bélico pesado, policiais civis, federais e militares. Moradores se manifestando favoravelmente a ação. Há um clima de tensão e, simultaneamente, a sensação de alívio e heroísmo. O Rio de Janeiro se tornou um campo de batalha, onde os “mocinhos” venceram os “bandidos”. Sobra-nos a certeza de que uma batalha foi ganha, mas, a guerra continuará presente no dia-a-dia carioca. Para nós, moradores aqui dos morros mineiros, no sul de Minas Gerais, a partilha de um sentimento solidário de paz e esperança aos que vivem na cidade maravilhosa. Que cada menino dos morros cariocas possa ter o “calção corpo aberto no espaço e um coração de eterno flerte.” Pegamos carona na oração de Caetano. “Menino vadio, tensão flutuante do Rio, eu canto prá Deus proteger-te...”. (Menino do Rio – Caetano Veloso).

sábado, 13 de novembro de 2010

O aluno "passa, o ensino é reprovado

As gírias acompanham a humanidade e simplificam, muitas vezes, a comunicação. Além disto, são espelhos de uma cultura e decodificam um momento vivido. “Bombar”, por exemplo, significava (e não faz tanto tempo), que o aluno não havia “passado” de ano, ou seja, não foi aprovado. O medo do estudante era ”levar bomba” e para que isto não ocorresse, estudar mais e se dedicar era a única saída.
Hoje, vivemos uma nova “onda”. Fazer sucesso, chamar a atenção é que é “bombar”. (“Cara, a festa ontem bombou”). Outro exemplo. Alcançar a média para ser aprovado era “um deus nos acuda”. Atualmente, “fazer média” para “livrar a barra” e “mandar um migué” no professor tem até a aprovação da instituição de ensino. “Passar” de ano hoje é a maior “mamata”. Basta fazer “vistas grossas”, já que o aluno tem “carta branca”, e estamos todos (governo, instituições, professores, pais e alunos), seguindo a mesma cartilha. (Me lembrei da cartilha ”Caminho Suave”, de excelente qualidade, existente ainda, cujo nome hoje é realmente mais apropriado). Estamos “assistindo de camarote”, “empurrando com a barriga”, “fazendo corpo mole”. “Tô nem aí, to nem ai...”. Porém, no boletim de avaliação, a educação no país está com notas cada vez mais baixas, pois, a qualidade de ensino é quem está “pagando o pato e a conta”. O estudante é apenas um cliente (e cliente sempre tem razão), o ensino se tornou mercadoria (“não perca a nossa promoção”) e as instituições, claro, são empresas que precisam dar lucros (não sociais, pois isto não é problema delas, mas financeiros). E o professor? Este, ao pé da letra, fica vendido. Dizem até, maldosamente claro, que a instituição quer vender um diploma, o aluno quer comprar e, “caramba”, existe sempre o tal do professor atrapalhando esta relação, querendo ensinar.
Tudo bem, ninguém é ingênuo. O mundo é outro e o setor da educação está cada vez mais competitivo. As instituições se proliferaram (notadamente, as faculdades e cursos à distância) e é preciso “brigar” para manter o estudante, quer dizer, o cliente, e, a maioria das instituições de ensino está hoje “com a corda no pescoço”. E se, como diz o ditado, “em casa de enforcado, não se fala em corda”, fingimos que ensinamos e os alunos fingem que aprendem e está tudo certo. Errado. Estamos escrevendo muito mal a história do ensino no país e precisamos sim ficar “grilados” com a situação, pois estamos “jogando às traças” o que há de mais fundamental para o desenvolvimento de um município, estado e nação: preparar as pessoas, tanto do ponto de vista técnico quanto de relacionamento, para os desafios contemporâneos. Agrada-nos a reflexão: queremos um mundo melhor para nossos filhos ou filhos melhores para o nosso mundo? E “passar” de ano, sob este ponto de vista, é até secundário. O “calcanhar de Aquiles”, isto sim preocupante, é que não estamos fazendo a nossa “lição de casa”. Deixamos de nos preocupar em “ensinar” para “aprender” a conviver com o jogo do mercado. E como passar nesta “prova”? Com certeza, uma questão de múltipla escolha e que não tem apenas uma resposta certa. Será necessário muito estudo e um trabalho em grupo e multidisciplinar. O que não podemos é assistir o ensino ser embalado em apostilas padronizadas, ser comercializado por grandes marcas de instituições financeiras, tendo como instrumentos, professores manipulados e robóticos, e, nesta equação obter como resultado, alunos bitolados e sem iniciativa, que serão, certamente, reprovados na vida. É preciso virar a página, passar a borracha e aprender a lição: briga de mercado e ensino de qualidade não podem ocupar a mesma carteira.