quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pororoca

Tenho uma teoria desenvolvida ao longo dos anos. Sem fundamentos científicos, nem embasamento teórico. Não é fruto de pesquisa, mas, de reflexão sem compromisso, uma “vagabundice filosófica”, portanto, totalmente discutível. Ela se baseia nos impactos que o habitante de uma cidade turística sofre no contato com o que se denomina de população flutuante, os turistas e visitantes. Fica até a sugestão para um estudo mais aprofundado que pode até ser tema de dissertação de mestrado ou tese de doutorado nos campos da psicologia, sociologia ou antropologia. Sugiro até um título (geralmente enormes nestes trabalhos): “Os impactos sociais, psicológicos, financeiros e relacionais na vida dos habitantes de uma cidade turística em contato com a população flutuante- O caso Poços de Caldas”.
Poços de Caldas nasceu do turismo, fruto das suas águas medicinais e da sua beleza natural. O turista que aqui chega, desfruta em sua permanência do que a cidade lhe oferece: a tranqüilidade das praças, os pontos turísticos, a estrutura hoteleira, um clima ameno e agradável ao longo do ano. O turista se encanta, com toda a razão, com a imagem da cidade. A beleza das flores, das praças, a natureza. Por outro lado, o morador tende também a se contagiar pelo mesmo motivo: a imagem, a embalagem. Esta compreensão (da preponderância da imagem sobre o conteúdo) pode ser levada para outros aspectos da vida dos habitantes da cidade. Assim, por exemplo, comprar um carro OK com toda a tecnologia se torna mais importante que adquirir uma casa própria. Ir para as baladas aos finais de semana é prioritário, ao invés, por exemplo, dos cuidados diários com a alimentação. Cuidar do físico se torna essencial, mas, atentar para a educação e cultura é enxergado como secundário.
Outra questão é a durabilidade das relações. O turista chega sabendo que a sua permanência será curta, na maioria das vezes, apenas um final de semana. Este relacionamento turístico pode afetar a compreensão dos habitantes em suas relações interpessoais. Assim, temos uma relação “turística” com as pessoas. O número de divórcios pode, talvez, ser bem maior que em outros municípios com características diferentes. Não tenho dados concretos, mas, penso que em cidades turísticas como a nossa, a “fila anda” bem mais depressa.
Outro aspecto é a montanha que nos circunda, as serras de São Domingos. A sua beleza, o aconchego, o seu abraço diário, o “paraíso entre montanhas” pode nos levar ao isolamento e a acreditar que podemos resolver tudo aqui, sem que necessitemos de outras opiniões, outras análises, do contato com outras inteligências. Podemos viver a “síndrome da caverna”, na acomodação e repetição de erros.
A “embalagem” da saúde física e da beleza, da nossa qualidade de vida, pode encantar por demais, atingindo a todos, indistintamente, incluindo, aqueles que podem determinar os destinos de nossa cidade. Claro que o turismo é um setor fundamental e muitos habitantes vivem desta relação mercadológica. Porém, é necessário não esquecer nunca do que é alicerce, do que é fundamental em qualquer município: a saúde e a educação dos seus habitantes. Investir no social será sempre o norte mais correto de qualquer administração pública. A cereja não pode ser mais importante que o bolo. É como em uma casa, onde a prioridade deve ser o conteúdo: o dinheiro para pagar o aluguel, a luz, a água, a alimentação e a escola dos filhos. Se houver sobra, uma viagem, um churrasco no final de semana etc. Não se trata de minimizar a importância do lazer e entretenimento. Trata-se principalmente do cuidado com os recursos públicos que devem assegurar as necessidades prioritárias do ser humano.
O turista merece e deve ser tratado muito bem, principalmente, por aqueles que usufruem diretamente desta relação, notadamente, a iniciativa privada. Porém, antes dele, prioritariamente, deve estar o munícipe, aquele que vive permanentemente deste chão, que paga seus impostos e que planta aqui suas esperanças de uma vida melhor.
No encontro das águas fluviais com as águas oceânicas, fenômeno natural chamado de pororoca, importante refletir que, além da beleza do evento, o choque das águas derruba árvores de grande porte e também modifica o leito dos rios.