quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Reality Show

A televisão é uma janela que se abre para o mundo. Nestes primeiros dias do ano temos aberto esta janela e nos deparado com imagens das enchentes em vários locais do país. Estranha sensação nos provoca a tecnologia que coloca dentro de nossas residências o sofrimento de milhares de pessoas. Somos testemunhas oculares de tragédias, seres paralisados e impotentes na relação tempo e espaço.

Paradoxal é ver o choro de tantos e, simultaneamente, olhar ao nosso redor e viver a alegria das festas em família. Árvores de Natal iluminando cidades, e, árvores e destroços apagando esperanças e nos lembrando das diversas faces de um mesmo universo.

Somos narcotizados por imagens tão díspares. Nem bem assimilamos o impacto dos depoimentos de vítimas contando seus dramas pessoais e nossos olhos registram sequencialmente pessoas correndo nas lojas para aproveitar a liquidação dos shoppings.

A TV nos dita o ritmo entre a alegria e a tristeza. De uma forma fulgaz somos atingidos pela avalanche das informações. Ora tristes, ora alegres. Agora, surpresos, depois, solidários. Aliviados nesta cena, inconformados no bloco seguinte. Há dificuldades no processamento e na digestão das informações. Pessoas viram números e a estatística nos rouba a sensibilidade. Os apresentadores, por sua vez, sentem e interpretam as mesmas nuances. Os tons na fala e as expressões faciais se alternam a cada notícia alegre, a cada fato trágico.

Tentamos pelo controle remoto, mudar de canal para não ver tanto desalento. Buscamos esquecer o sofrimento alheio, como se esta alienação intencional nos retirasse o fardo de um mundo de contrastes. O que os olhos não vêem, o coração esquece.

Desculpamos a natureza e culpamos o homem pela falta de planejamento, pela ocupação desordenada do solo urbano e pela omissão dos representantes do povo.

O ano novo nos chega pela TV nos sonhos de quem apostou na Sena. Mas, também, nas cenas de quem apostou no sonho de uma casa própria na beira de um rio, no sopé da montanha.

O reality show continua, após o intervalo comercial.