sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Confesso que fui eu

Tenho quase certeza que acho que estou em dúvida. Aconteceu mais ou menos no final (ou seria no início) da década de 70. Era uma noite de sábado, ou sexta... quinta-feira? Estávamos eu, João, Chico, Samuel, Mario, Max e outros que não me lembro porque esqueci. Ficar velho é perder a memória de elefante e ganhar o peso do mesmo animal. (Do que eu estava falando mesmo?) Ah! Vivíamos as férias de julho e tínhamos sempre uma dúvida cruel: ou ficávamos a toa ou arrumávamos nada para fazer. Geralmente o papo acontecia nas mesas do Bar Maracanã na esquina da Rua São Paulo com Praça Pedro Sanches, onde atualmente funciona o Banco do Brasil. (Ainda hoje, todas as vezes que entro naquela agência me dá uma vontade danada de pedir uma cerveja para o caixa eletrônico). Como não tínhamos internet, nem ipod, nem celular, porque, vale mencionar, naquela época tudo isto ainda não existia, os nossos encontros eram reais. Believe it or not! Enquanto na capital paulista, a juventude lutava contra a ditadura militar, nós, aqui no sul de Minas empunhávamos também nossas bandeiras a favor do ócio civil e criativo. Entre as opções: tomar cerveja no Maracanã, ficar sentado no banco da praça dando milho aos pombos, jogar fliperama depois de tomar banho de perfume pattioli, ou paquerar as “meninas de fora”, escolhíamos todas as opções anteriores. As férias eram longas e o dinheiro era curto. Porém, naquela noite, até o homem pelado parecia uma estátua, como de fato era naqueles tempos e será para todo o sempre, amém. Mas, eis que, senão, quando, uma notícia se espalha pela praça: um casamento de pompa e circunstância estava acontecendo no Palace Casino e pelas informações de fontes fidedignas e sulfurosas, os noivos eram de uma cidade vizinha. No grupo que mencionei acima, tínhamos um código de honra (ou desonra): tudo o que acontecesse no Palace, nós, como anfitriões da cidade deveríamos participar. Claro que o pessoal do casamento não sabia deste nosso cerimonial, o que era desculpável, mas, não aceitável. Então, como representantes dos poderes legislativos, executivo, judiciário, penal, criminal e vagal do município, nos dirigimos em comitiva e bebitiva para o local do evento. Vale mencionar que embora fossemos pessoas de caráter (há controvérsias) não estávamos vestidos exatamente a caráter para o referido matrimônio, até porque não tínhamos patrimônio para tanto. Ao chegarmos lá, demos de cara com uns caras mal encarados que faziam a segurança do local. Como encarar a parada? Um de nós conhecia um dos deles e aí ficou mais fácil. As trombetas soaram e entramos solenemente na festa. Achamos estranho o fato de ninguém vir nos dar as boas vindas, mas, resolvemos relevar em nome da nossa hospitalidade mineira. Por outro lado, nos sentimos muito importantes já que a maioria dos olhares era para o nosso grupo. O contraste era grande: homens e mulheres vestidos impecavelmente e a gente com trastes mesmo: camiseta, jeans e tênis. A bebida era da mais alta qualidade: cerveja gelada, vinho italiano, champagne francês e whisky 12 anos, o que fazia a gente querer ficar lá por mais 12. Entre um salgado aqui e uma bebida acolá, já nos sentíamos preparados até para dar um abraço nos noivos, o fulano e a sicrana, velhos conhecidos nossos. Tinha uma garota com a gente que pensava em entrar na concorrência para pegar o buquê da noiva. Mas, o enlace nosso com o festa deu um nó e veio o divórcio. Um segurança chegou até o nosso grupo e nos convidou a sair do recinto. Foi um momento acachapante (eu pensei que nunca iria usar esta palavra). O sentimento era de ter sido expulso da nossa própria casa. Porém, antes de deixar o local do crime, fizemos uma ameaça (que soava mais como uma tentativa de causar alguma pressão). “Isto não vai ficar assim. Vocês não perdem por esperar”. Saímos do casamento sem muita noção do que fazer. Alguém deu a idéia de comer um lanche no Vagão, mas a revolta era maior que a fome. Fomos em direção à Praça Pedro Sanches e espalhamos a notícia que havíamos sido expulsos do nosso território. Parecíamos moleques saídos do livro “Os meninos da Rua Paulo” a defender o quartel general. De repente, não mais que de repente, centenas de jovens estavam se encaminhando para o Palace Casino. Simultaneamente, alguém lembrei (providencial) que no outro dia tinha feira perto do mercado municipal. (Agora me recordo, era sexta feira). “Que tal pegarmos uns tomates, ovos, repolhos e outras coisas que eles jogam fora nas barracas da feira?”. (Idéia fruto e legume de cabeça ociosa, que desconhecia totalmente o pepino que estava arrumando para a cidade e no abacaxi que isto resultaria). Imediatamente a idéia foi acatada pelo conselho e constada em ata. Fomos até a feira, recolhemos tudo o que foi possível, colocamos dentro de sacos plásticos e voltamos ao local do crime. Por increça que parível, não tínhamos a menor idéia do que iria acontecer. Chegamos em frente ao Palace e nos juntamos a outros grupos. De onde tinha saído tanta gente? Ninguém sabia responder. O que se seguiu foi mais fantástico ainda. Os grupos começaram a gritar palavras de desordem (“Abaixo a ditadura, viva Zapata, povo unido jamais será expulso”- não rimava, mas quebrava um galho) e os convidados do casamento foram saindo para ver o que ocorria. Daí então começou a chuva... hortifrutigranjeira. Ovos, tomates, repolhos, laranjas, saiam dos sacos plásticos e voavam pelos céus até atingirem os vestidos e ternos dos convidados. Um campo de batalha se formou em frente ao bondinho e ninguém, absolutamente ninguém, sabia como aquilo tinha acontecido. A polícia foi chamada e a situação ficou totalmente fora de controle e de vigilância, inclusive sanitária. Era só gente correndo e o nosso grupo também se dispersou. Segundo se apurou depois, houve apenas duas prisões de pessoas que não pertenciam ao nosso grupo. Em meio à confusão, entrei no “salve-se quem puder” e corri para casa. Ao chegar, ofegante e com o coração disparado, olhei pela fresta da janela para a avenida em frente, para ver se alguém havia me seguido. Nada. Eu estava seguro e anônimo. E olha a ironia: morava eu na Avenida Santo Antonio, o santo casamenteiro.
Depois daquele episódio, nunca mais entrei em festa de casamento sem ter sido convidado. E sempre saio de um evento assim, imaginando ser ovacionado por alguém que não foi convidado.
(Nota: Os fatos e nomes aqui mencionados podem ser mera peça de ficção e qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência... ou não)