domingo, 15 de março de 2009

Armazém do tempo

Antigamente existia um lugar chamado armazém , no tempo em que cliente era chamado de freguês. Éramos, então, fregueses do armazém e o nosso nome, muitas vezes, com uma referência familiar, era anotado em uma caderneta, juntamente com os gastos diários, que saldávamos no fim do mês. As compras eram somadas em folhas de papel de embrulho, e a caneta (Bic) ficava atrás da orelha do atendente, que geralmente era o próprio dono do armazém : o seu Toninho- que também tinha nome . Este costumeiramente nos cumprimentava e perguntava ainda sobre a nossa família.

-Como vai sua mãe? E seu pai,melhorou da gripe?

Os produtos ,na época chamados de mercadorias, eram colocados no chão mesmo, ou em cima do balcão e tudo parecia uma bagunça só, mas, que nos passava uma sensação de proximidade, de aconchego mesmo. Os sacos de estopa abertos mostravam as mercadorias (feijão, arroz, açúcar cristal, macarrão) e havia um cheiro no ar que nos atraia e que a nossa memória olfativa nunca conseguiu definir e nem sentir igual.

Naquele tempo, o nosso dinheiro era em papel apenas e geralmente vinha amassado em nossas mãos, juntamente com as moedinhas retiradas de um cofrinho, um porquinho de plástico.

Passou porém o tempo, deixamos de ser fregueses e viramos clientes. Quem nos atende já não é mais o seu Toninho, (alias, onde andaria o seu Toninho?) mas, sim o crachá de um funcionário, cujo nome não me lembro. E nós, os clientes, sem nome, sem mãe, nem pai, viramos mais um número no computador. O armazém virou supermercado, o balcão de madeira virou gôndola e as mercadorias viraram marcas. A caneta virou calculadora, a caderneta virou checkout e nós nos viramos para achar os produtos e o cartão de crédito ou débito tem o nosso nome em letra miúda e uma senha que a gente vive esquecendo. Dizem que nós somos o “rei” e que tudo ali existe para satisfazer nossos desejos e necessidades. Nos perdemos em meio a tantos produtos, centenas de marcas, embalagens e rótulos, promoções e carrinhos que nos atropelam. O consumo vive a nos consumir. Estamos no BIG, no HIPER, no corredor do “WALL MORTE”. O nosso carrinho se enche, o nosso bolso se esvazia e a gente se enche de alegria, afinal, estamos em lugar de gente feliz, como diz o locutor do local.

Compramos o que todos compram, com dinheiros iguais, pensamos iguais, somos iguais perante a lei da oferta e da procura. Viramos consumidores, clientes anônimos de um mercado super. E nos dá aquela vontade de sermos fregueses novamente e encontrar pela frente o seu Toninho. Que saudade, no armazem do tempo, dos tempos do armazem.