sexta-feira, 31 de julho de 2009

Caminhar

Você tem caminhado ultimamente? Não, não estou me referindo a “fazer caminhada” ou “praticar o Cooper”, ou ainda “andar na esteira”. Estas ações que, para nós, seres bípedes deste século, tornaram-se sinônimos de caminhar. Na realidade, são apenas produtos de uma sociedade que capitalizou a saúde, que nos impôs fórmulas para alcançar, a não menos pasteurizada e homogeneizada, “qualidade de vida”.
Repare em todos nós que andamos, ou corremos, nos parques e avenidas. Diga-me se não parecemos andróides, personagens reais do Blade Runner ou de “O Admirável Mundo Novo”. Colocamos roupas e calcados adequados, fazemos “cara de saudável”, disfarçamos nossas preocupações e pronto: vamos para a pista de caminhada. (Não é irônico refletir que hoje para caminhar necessitamos de uma pista? Viramos máquinas, literalmente). Dizem, os médicos, os personal trainers, os proprietários de academia, as revistas e o vizinho ao lado, que faz bem para a saúde. Não discutimos, mas, tais atitudes nada tem a ver com caminhar. Ah! Como as palavras perderão suas origens. Como já esquecemos o que é caminhar.
Caminhar não é utilizar as pernas e os pés. Exige mais alma que músculos. É mais filosofia que anatomia, mais introversão que extroversão, mais conteúdo que imagem. É percorrer um caminho, reparar no caminho, viver o caminho.
Experimente em uma noite dessas, andar pelas ruas, naquelas que fizeram parte da sua infância. Veja as casas, repare nas janelas e portas, naquele muro ou portão que fez parte do seu primeiro amasso. Inale o perfume das flores, se apaixone pela mesma lua, aquiete o seu coração. Perceba, depois de muito tempo, você voltou a caminhar.

domingo, 19 de julho de 2009

Drogas do cotidiano

Existem drogas que toda a sociedade conhece de uso ilegal no Brasil: a maconha, o crack, a cocaína. Responsáveis por dizimar sonhos, por assassinar ideais, por desconstruir famílias.
Mas, existem outras tão letais quanto estas, mas que são legalmente inaladas e absorvidas pelos usuários, cidadãos comuns de uma sociedade doente.
Uma delas vem embrulhada em papel de presente. Droga estimulante muito citada em livros, revistas técnicas e em palestras proferidas pelas inteligências do mundo moderno: a competitividade. Esta droga nos força a ser super-heróis, a considerar todos a nossa volta como adversários. Torna maior também as nossas exigências sobre nossos filhos, empregados ou colegas de trabalho. A competitividade do "Você Sociedade Anônima", dos treinamentos que se rotulam como motivadores do ser, quando na verdade, incitam ao ter. A competitividade em casa, na escola, no trabalho. Qual é o nosso diferencial competitivo? Como vencer nossos oponentes? O que nos faz melhor que os outros? Como alcançar o sucesso?
Outra droga tem também embalagem atraente, sedutora, como subproduto da competição: a droga do consumo. É o carro X, o celular Y, o mais novo lançamento. Aquele produto que trará um novo status, a ascensão social, a aceitação e o reconhecimento de todos e que nos deixa depressivos quando não conseguimos atender ao convite do "Compre! Aproveite! Não perca esta promoção!".
Existe outro alucinógeno mortal que modifica comportamentos e que na maioria das vezes, se veste de terno e gravata, e freqüenta, principalmente, o meio político causando profunda dependência. A droga do poder. O poder do cargo, da pena, do ato, o poder da ordem. O que manda e desmanda, o que passa por cima, o que infringe leis, o que humilha e que subverte, o poder que corrompe. A droga do poder tem efeitos duradouros e colaterais, na miséria da sociedade, na inacessibilidade da educação e da cultura, na preservação do fosso social.
O poder, o consumo e a competitividade são combustíveis que alimentam uma sociedade capitalista. Infelizmente, se torna extremamente difícil, senão impossível, reverter um quadro em que todos nós somos, por assim dizer, dependentes crônicos.

sábado, 11 de julho de 2009

SENADINHO

Em Poços existe um local muito freqüentado conhecido como Senadinho. Um espaço democrático, pois ali se encontram pessoas de diferentes idades, profissões e classes sociais, para beber um papo , conversar sobre cervejinha, comer um tira gosto, jogar um truco e falar bem da vida alheia.
Em Brasília existe um local muito freqüentado chamado Senado. Um espaço aparentemente democrático, pois por lá se encontram, vez em quando, 81 senadores que representam os 27 estados da federação, sendo 3 senadores por estado. Além disso, passam pelo mesmo espaço, mais de 3.500 funcionários terceirizados que custam anualmente R$ 155 milhões por ano aos cofres públicos, além do custo dos cerca de 2.500 servidores de carreira.
No Senadinho, há quem esconda o jogo, afinal, faz parte da estratégia do truco. E o zap, a carta de maior valor, pode estar na mão de qualquer um dos jogadores, já que a sorte é quem manda. E se tem uma coisa que não se aceita no Senadinho, é a trapaça, o jogo sujo. Se isso acontecer, o jogador, com certeza, é expulso do local, e perde a cadeira, além da amizade de todos da mesa.
Já no Senado existem muitos que escondem os seus atos e blefar faz parte de um jogo de cartas marcadas. Aliás, o zap tem dono: ele é do presidente do Senado, atualmente o senador José Sarney , um verdadeiro coringa e que tem um parceiro forte, o próprio presidente da república, que afirmou recentemente que “Sarney não pode ser tratado como uma pessoa comum”.
No Senadinho alguém sempre perde o jogo, é a regra. Já no Senado, as regras são outras, conforme se descobriu naquilo que ficou conhecido como “atos secretos”. Estima-se que mais de 300 atos secretos foram usados nos últimos dez anos para distribuir privilégios a parlamentares e funcionários, através da criação de cargos, do aumento de salários e no emprego de amigos e parentes. Sarney, o homem do zap, afirmou não saber da existência dos atos secretos , o que cabe uma sugestão: que tal ao invés de Senado, não se chamar aquele local de “Seinada”.
Uma das expressões mais utilizadas no Senadinho é quando alguém está com uma excelente carta na mão e grita “Truco! Seis! Ladrão”. Talvez, seja esse o grito que falta ser dado por nós, brasileiros, para todos aqueles que jogam sujo e que trapaceiam com as nossas esperanças e as nossas crenças.
Sorte de Poços de ter um Senadinho. Azar do Brasil de ter um Senado.