quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Chovendo no molhado

Tal como show de Roberto Carlos no final de ano, são tantas as “emoções” que acontecem periodicamente em nosso país, que vidente aqui está sem função, já que muitos fatos são evidentemente repetitivos. Infelizmente, as enchentes que destruíram bens e famílias em várias regiões do território nacional são exemplos de nossa falta de “previsão” e provisão. Já vimos este “filme” em outros finais de ano e as cenas se repetiram agora em maior número e violência. E agora, ficamos contando nossos mortos, dia após dia, em uma estatística mórbida que poderia ser, no mínimo, minimizada, caso fossem tomadas ações de prevenção. Mas, depois da porta arrombada e do leite derramado, o governo anuncia que será implementado um sistema de emergência contra desastres naturais. O prazo para tal “emergência” ficar totalmente pronto: 4 anos. Calcula-se que são 5 milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco. Quantos deles estarão vivos daqui há 4 anos?
O mesmo fato nos remete a outra constatação igualmente percebida em outras tragédias: a Defesa Civil. Um órgão que inexiste em muitos municípios brasileiros e que, quando existente, só é lembrado pelas autoridades e munícipes, em momentos trágicos, pois no restante do ano fica igual aos túmulos no cemitério: lembrados apenas no dia de finados. Acessando o site do órgão (www.defesacivil.gov.br) pode se ler textualmente lá: “Como conseqüência da grande enchente no Sudeste, no ano de 1966, foi criado, no então Estado da Guanabara, o Grupo de Trabalho com a finalidade de estudar a mobilização dos diversos órgãos estaduais em casos de catástrofes”. Ou seja, há mais de quarenta anos já aconteciam enchentes na região sudeste. Repete-se o refrão, como marchinha de carnaval.
Quer outra nova (antiga) atitude? Da mesma forma como alguns rios foram desviados do seu curso natural, as verbas para programas de prevenção e desastres também sofreram desvios. Dos 425 milhões previstos para 2010 no Programa de Prevenção e Preparação para Desastres, foram liberados pouco mais de 167 milhões. O replay do desvio de verbas também é outra constante na vida nacional. E se as enxurradas são um problema antigo no sudeste, o que dizer da seca no Nordeste, que há tempos também dizima famílias e bens?
Pela TV assistimos um “não vale a pena ver de novo”, com imagens trágicas de perdas constantes, como um déjà vu sádico nas “crônicas da tragédia anunciada”, parafraseando livro do poeta Gabriel Garcia Marquez. O que fazer? Sobra-nos a solidariedade confortável de enviar alimentos e outros equipamentos para as regiões atingidas, com a clara percepção de que tal iniciativa, não terá “acabativa”, já que iremos repetir (de novo o infelizmente) outras vezes a mesma atitude.
Mais exemplos da nossa “mesmice”? Deputados aumentando seus próprios salários, o baixo salário dos professores, a alta carga tributária, os casos de corrupção e desmandos com o dinheiro público, o crescente consumo de drogas, o BBB...
De verdade, pela repetição dos fatos, acabamos por achar tudo normal, aceitando passivamente a nossa “impotência” perante os fatos e os poderes constituídos. E quando, por vezes, sussurramos nossa dor civil, nos sobra à sensação de chover no molhado, como se gritássemos no deserto, como se não houvesse força capaz de vencer as “enchentes” dos descasos e das omissões.
“Enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede, (nas enchentes e nas secas, nas cidades e nas cercas) são tantas vezes gestos naturais”. (“Podres Poderes”-Caetano Veloso)

sábado, 8 de janeiro de 2011

Divagando sobre Devagar

Tempo médio para leitura deste texto: 2 minutos

Início de ano é o momento ideal para se fazer promessas, se bem que tem muito político que fica fazendo isto o ano inteiro. Assim, comecei a rabiscar algo apressadamente em um papel, afinal, tenho apenas 365 dias (364, 363, 362, 361, 360...) para cumpri-las. Mas, ao olhar para o que havia escrito, um detalhe me chamou à atenção: a minha letra (que, diga-se de passagem, (de ano) é horrível até na tela de um computador). Observei que a minha “receita” para o ano novo estava parecendo receita médica: nem o farmacêutico entenderia. Imediatamente pensei em fazer um curso de caligrafia. - Eles existem ainda? Perguntei urgente ao guru oriental, o Google. “Claro- respondeu ele- em real time. Só que hoje são feitos pelo computador, através de apostilas”. Ah! Não tenho tempo para isto.
Foi então que, neste momento (Eureca!) descobri a grande culpada pela minha redação ilegível e inelegível: a pressa. Ela, a inimiga da perfeição, a mãe da impaciência, a grande responsável por acidentes automobilísticos e domésticos.
Se tiver tempo, preste atenção: tem gente usando o cronometro no pulso, ao invés do aposentado relógio. E mais: tem aumentado o número de partos prematuros. Ou seja, até os bebês estão apressados para nascer. Os pediatrasados estão ficando para trás. Nove meses é muito tempo e, pensando assim, já tem mãe ensinando o filho a escrever com ele ainda na barriga.
Refletimos: “fast food” não é só um tipo de comida feito rapidamente, mas, principalmente, a maneira como nos alimentamos, sem sentir o sabor dos alimentos, engolindo sem mastigar. Especialistas dizem que devemos mastigar 30 vezes a cada garfada. Seguimos o conselho: estamos mastigando 30 vezes a cada refeição.
Perceba quantas pessoas você conhece que falam depressa demais. Tem gente que fecha a boca e as palavras continuam saindo. Viramos, todos, locutores de corrida de cavalo e nem foi dada a largada.
Quantas vezes, a gente se pega acelerado em pleno domingo, como se tivéssemos realmente a necessidade de chegar mais rápido em algum lugar. Nem paramos mais para conversar. O Clube da Esquina fechou por falta de quorum.
Dias atrás fiquei olhando para uma tartaruga de estimação na casa de um amigo. Não posso afirmar com certeza, mas, notei que até ela estava mais veloz. Pensei em realizar anualmente uma corrida de tartarugas, mas, desisti da brilhante ideia, pois precisaria de tempo para organizar o evento.
Sei não, mas o jeito que as coisas andam (ou seria voam?), não me espantaria em ver o Martinho da Vila lançando um disco de funk ou de rap. “Édevagarédevagarédegavardevagarinho”.
Não foi sem razão que coloquei o tempo médio de leitura no alto deste texto. Aliás, penso que a prática irá se tornar comum, como uma receita que indica o tempo do preparo dos alimentos.
Por falar nisto, e voltando ao assunto inicial, a minha receita para este ano que está começando é apenas uma: fazer tudo bem devagar, em câmera lenta, slow motion. Assim, como o diálogo daqueles dois baianos (sem preconceitos) - Meu rei veja aí pra mim...
A braguilha da minha calça ta aberta?- Olhe... Ta não...
- Então, vou deixar o xixi pra amanhã...