Eu devia ter uns seis anos e Dona Luisa, com a sacola nos
braços, passava lá em casa e minha mãe dava a ela alguns “mantimentos”.
Vivíamos a década de 1960: os Beatles na vitrola, o
surgimento da música de protesto, o homem pisando pela primeira vez na lua e a
informática dando seus primeiros passos. No Brasil, a inauguração de Brasília,
a renúncia de Janio Quadros e o início da ditadura que durou mais de 20 anos.
Na música, o iê-iê-iê, o Clube da Esquina, a Bossa Nova e a Jovem Guarda
revolucionavam os hábitos e costumes da juventude. Acreditávamos que a
liberdade era uma calça velha azul e desbotada e a bolsa jeans nos traria a paz
e o amor tão sonhados.
Chegamos ao início do terceiro milênio e a folhinha marca o
ano 2013.
Vivemos no Brasil de hoje, a era da “ditalula”, o sertanejo
universitário e suas onomatopeias, o face
com pouco book, a miséria nas ruas,
as drogas nas ruas, a violência nas ruas, o medo nas ruas... e as famílias
aprisionadas em suas casas.
O governo implantando por decreto a justiça social através
das Bolsas e das cotas. Feliz e livre é aquele brasileiro que tem eletrodomésticos
em casa, um carrinho na garagem e vários carnês para pagar. Fizeram-nos
acreditar que o ter nos faz iguais no ser.
Mas, voltando a falar sobre Dona Luisa, quase 50 anos se
passaram e dois anos atrás a vi, com o rosto já traçado pelas ruas do tempo e
do sofrimento, sacola a tiracolo, recebendo ainda os mantimentos das mãos de
minha mãe. Mais recentemente soube que Dona Luisa não estava passando mais por
lá. Indaguei, preocupado: - Ela está
doente? Responderam-me: - Não. É que a Dona Luisa já não precisa mais dos
mantimentos da sua mãe. Ela agora recebe o “Bolsa Família”.
Dona Luisa talvez nem saiba. Mas ela continua ainda com a
sacola nas mãos, tendo mudado apenas o local de retirar o seu mantimento. A
liberdade, já se sabe, não se faz pelo bolso, muito menos pelas Bolsas. Ela tem
seu pilar de sustentação em uma educação sólida, na geração de oportunidades de
trabalho e quando, pelo suor do seu rosto, o cidadão constrói seu próprio
sustento.
A melhor maneira de ajudar o outro é dar a ele a
possibilidade de nunca mais necessitar de ajuda. Tudo o mais é escravidão.