domingo, 16 de junho de 2013

Dona Luisa e a sacola


Eu devia ter uns seis anos e Dona Luisa, com a sacola nos braços, passava lá em casa e minha mãe dava a ela alguns “mantimentos”.
Vivíamos a década de 1960: os Beatles na vitrola, o surgimento da música de protesto, o homem pisando pela primeira vez na lua e a informática dando seus primeiros passos. No Brasil, a inauguração de Brasília, a renúncia de Janio Quadros e o início da ditadura que durou mais de 20 anos. Na música, o iê-iê-iê, o Clube da Esquina, a Bossa Nova e a Jovem Guarda revolucionavam os hábitos e costumes da juventude. Acreditávamos que a liberdade era uma calça velha azul e desbotada e a bolsa jeans nos traria a paz e o amor tão sonhados.
Chegamos ao início do terceiro milênio e a folhinha marca o ano 2013.
Vivemos no Brasil de hoje, a era da “ditalula”, o sertanejo universitário e suas onomatopeias, o face com pouco book, a miséria nas ruas, as drogas nas ruas, a violência nas ruas, o medo nas ruas... e as famílias aprisionadas em suas casas.
O governo implantando por decreto a justiça social através das Bolsas e das cotas. Feliz e livre é aquele brasileiro que tem eletrodomésticos em casa, um carrinho na garagem e vários carnês para pagar. Fizeram-nos acreditar que o ter nos faz iguais no ser.
Mas, voltando a falar sobre Dona Luisa, quase 50 anos se passaram e dois anos atrás a vi, com o rosto já traçado pelas ruas do tempo e do sofrimento, sacola a tiracolo, recebendo ainda os mantimentos das mãos de minha mãe. Mais recentemente soube que Dona Luisa não estava passando mais por lá.  Indaguei, preocupado: - Ela está doente? Responderam-me: - Não. É que a Dona Luisa já não precisa mais dos mantimentos da sua mãe. Ela agora recebe o “Bolsa Família”. 
Dona Luisa talvez nem saiba. Mas ela continua ainda com a sacola nas mãos, tendo mudado apenas o local de retirar o seu mantimento. A liberdade, já se sabe, não se faz pelo bolso, muito menos pelas Bolsas. Ela tem seu pilar de sustentação em uma educação sólida, na geração de oportunidades de trabalho e quando, pelo suor do seu rosto, o cidadão constrói seu próprio sustento.
A melhor maneira de ajudar o outro é dar a ele a possibilidade de nunca mais necessitar de ajuda. Tudo o mais é escravidão.