quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O cafezinho


Encontro com amigos pela cidade. Entre um café e outro, bate papo rápido sobre assuntos do cotidiano. Maior correria, não dá parar, correndo atrás, expressões comuns nos dias atuais. A conversa então segue para questões triviais: o tempo cada vez mais curto, o dinheiro sempre no limite, os times cada vez mais sem futebol e as reclamações sobre governos e políticos, ou a falta de governo e a ausência de bons políticos. Na maioria das vezes, embora ninguém comente, a sensação é que estamos falando sobre as mesmas coisas há tantos anos, discutindo tantas doenças incuráveis, como um disco de vinil riscado tocando o mesmo trecho de uma canção em uma velha vitrola. 
Por ser jornalista, sou cobrado pela falta de cobrança dos meios de comunicação em relação às atitudes dos políticos. A ideia de muitos é que a imprensa tem influência para cobrar e que o poder do jornalista, seja no jornal, no rádio, na TV e hoje na internet, pode provocar as mudanças que a sociedade exige. Argumento então, que a maioria dos jornalistas está também correndo atrás do prejuízo, buscando sobreviver em um mercado cada vez mais estreito, onde os meios de comunicação tentam alternativas para não fecharem suas redações, não calarem seus microfones, não desligarem suas câmeras. A maioria dos jornalistas está na pressa, na prensa e na inadimplência. Isto porque as empresas jornalísticas não descobriram ainda como vender um produto como a informação, que hoje é oferecida gratuitamente nas redes sociais, no facebook, nos blogs, na convergência digital da Internet. 
Além disso- continuo filosofando - a democratização cibernética possibilitou o aumento geométrico, quantitativo mesmo, no número de informações. O acesso a tudo e a todos, em todos os momentos, nos legou a overdose no processo informativo. Ironicamente, pela possibilidade digitalizada de saber tudo, percebe-se que muita gente não quer saber de nada. O excesso de informação está nos conduzindo à desinformação, assim como na fotografia, quando o excesso de luz deixa a foto “estourada” ou provoca a “cegueira” do retratado. 
O papel da imprensa-continuo “viajando”- sempre discutido, de transformar a sociedade acabou por ser diluído, pois, em todo momento, um novo fato acontece, uma nova situação se apresenta e se faz necessário informar a todos em tempo real sobre tudo o que acontece no mundo. O novo então toma o lugar do que existia há alguns segundos atrás, resultando na dispersão, na dissociação e em uma imagem difusa da realidade. Ninguém sabe realmente as respostas e por isto estamos perdendo também a capacidade e o desejo de formular perguntas. 
A rodinha dos amigos no café então se dispersa. Sinto que o meu papo, “empapuçou” e o relógio volta a nos cobrar atitudes. Cada um retorna então ao seu próprio mundo: o trabalho, a família, os estudos, as contas pra pagar... eta vidinha!
Quem sabe, nos encontraremos em breve para um rápido bate papo, e, entre um cafezinho e outro, discutiremos sobre o tempo cada vez mais curto, o dinheiro sempre no limite, os times cada vez mais sem futebol e as reclamações sobre governos e políticos. 
Reflito que apenas uma coisa poderá sofrer alguma mudança: o preço do cafezinho.

domingo, 18 de agosto de 2013

A doença crônica de uma política anacrônica


Existe algo de extremamente nocivo na Política já há muito comentado e que não se altera ao longo do tempo. Não raro ouvimos discursos inflamados com palavras infeccionadas pela retórica com um único objetivo: a permanência quer seja de um indivíduo ou de partidos nas esferas públicas. Assim, a busca não é, como ainda nos tentam convencer, de alcançar as melhorias na sociedade através dos aparelhos governamentais, mas tão somente ficar, permanecer, continuar a exercer o poder, arquitetando maquiavelicamente os meios para que isto se concretize. Um destes, o tráfico de influência. Fulano conhece beltrano que conhece sicrano e, por intermédio desta quadrilha, cargos são ocupados, leis são aprovadas ou reprovadas, benefícios são repartidos entre amigos, e o poder continua a ser exercido, não em nome do povo, mas em nome de um grupo, quer seja ele político ou empresarial.  Assim, o voto nas urnas acontece apenas para validar um sistema que tem em sua formação, o conluio, as tramas, o jogo de cartas marcadas, que ocorreu muito tempo antes, nos corredores dos palácios, nos gabinetes políticos e nos escritórios das empresas. 
A eleição, denominada eufemisticamente de livre e democrática, é o ato final, o palco teatral para que os atores representem e a plateia valide a atuação. O voto é tão somente o ingresso ou o reingresso do político ao poder. Até as manifestações nas ruas são utilizadas como bandeira por aqueles que tentam ludibriar a população se autodenominando defensores dos interesses públicos.
A maioria dos cidadãos já não se sente mais representado, muito menos respeitado, quer seja por políticos, partidos ou instituições. Há certa descrença coletiva inoculada nas veias dos cidadãos que não creem mais na transfusão das suas necessidades para as veias daqueles que deveriam representá-lo.
Ironicamente e antropofagicamente, o desejo e a busca insana pelo poder tiraram do político aquilo que deveria ser a essência de sua missão: ser o representante legítimo do cidadão e não aquele que está no cargo apenas para representar os sórdidos interesses particulares, empresariais ou partidários.

Difícil enxergar cura, quando a doença é crônica nesta política anacrônica.  
Difícil enxergar tratamento eficaz para o mal causado por anos de corrupção e impunidade. 
Difícil enxergar luz, após anos vividos na escuridão do poder. 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Oração ao homem público


Que todo homem público saiba honrar sua função na compreensão de que o poder é passageiro e fugaz, mas que uma única atitude sua pode ser permanente e prejudicar milhares ou milhões de pessoas por dezenas ou centenas de anos;

Que todo homem público possa discernir a diferença entre o poder da comunicação e a comunicação do poder para que a humildade seja sempre sua bussola orientando o norte a seguir;

Que todo homem público carregue em seus olhos, as lágrimas das pessoas mais simples, das vidas mais simples, para que a sua visão não se embace pelas névoas da vaidade e o sorriso enganador da fama;

Que todo homem público não se vanglorie nas vitórias, não se encante com as glórias, nem se perturbe pelo esquecimento, no entendimento de que nenhuma placa de homenagem ou discurso de reconhecimento pode substituir a alegria da missão cumprida;

Que todo homem público não seja apenas o gerúndio da intenção, mas o imperativo da ação no comprometimento com as necessidades prioritárias notadamente dos que mais dependem das ações públicas;

Que todo homem público ao tomar suas decisões tenha a inteligência que lhe possibilita a razão, sem olvidar da sensibilidade que antecede a tudo o que permeia o humano;

Que todo homem público não use a retórica para alcançar a subserviência do outro, não se comprometa com o que não possa cumprir, perceba a transparência como um dever e a dignidade como direito de todos;

Que todo homem público, enfim, tenha espelhado na mesa de seu gabinete, o pó das ruas sem asfalto, o sangue dos bairros sem saúde, o quadro negro das crianças sem escola, para que a sua caneta carregue sempre as tintas da integridade e da luta contra as injustiças sociais.


 Assim seja.

domingo, 11 de agosto de 2013

Amigos por nada


Sou como milhões: conheço centenas de pessoas, converso habitualmente com dezenas delas e tenho poucos muito amigos. 
Sim, porque amizade não é uma questão quantitativa, nem pode ser.  Ninguém tem centena de amigos. A maioria conta seus amigos pelos dedos das mãos. Só Roberto Carlos é que, em uma antiga canção, afirmava querer ter um milhão de amigos... que comprassem seus discos e acabou conseguindo.
Amigo de verdade não tem a ver com querer. Se alguém disser “quero ser seu amigo”, pronto, acabou a amizade, até porque cheira falsidade. Amizade não é algo que se escolhe, não tem a ver com desejo, não exige esforço, nem experiência.  Não exige currículo, carta de apresentação, nem bons antecedentes.
Os amigos que tenho foram frutos de encontros fortuitos e que, sabe-se lá porque, continuaram fazendo parte da minha existência ao longo do tempo. Tornamo-nos amigos realmente sem querer.
Não conheço ninguém que possua uma “caderneta de amigos” e, por favor, não me venham com esta história de amigos virtuais. Não desqualifiquem a palavra. Amigo é quem compartilhou com a gente, em corpo presente, alegrias e tristezas. Aquele que sabe da nossa história, que conhece o espelho de nossa alma e frequenta nosso coração. Derramou lágrimas ao nosso lado sem dizer uma única palavra e gargalhou junto por uma piada infame até ficar com dor no pescoço. Existe coisa mais irônica do que ler no alto da página no Facebook: “Ajude fulano a encontrar os amigos dele”. Coitado do cara. Cadê os amigos dele que o deixaram sozinho?
Amigo mesmo até se esquece da data do nosso aniversário, mas lembra sempre de torcer diariamente para que a gente seja feliz. Não precisa estar geograficamente próximo, pois amigo de verdade reside permanentemente no quarto das nossas lembranças, no sótão das nossas memórias.  Não precisa telefonar para gente sempre, pois sabe que a ligação é permanente. Amigos nunca vão embora, pois a proximidade não é física.
Amizade lembra algo genético, sem ser familiar. Parece muito com transfusão, mas não tem nada a ver com laços sanguíneos.
Os amigos que tenho são pessoas fantásticas e, por isto mesmo, possuem muitos defeitos. Um deles é o mesmo meu: na maioria das vezes eles não dizem para mim os defeitos que tenho. Não é falta de sinceridade. Amigo não precisa ser sempre sincero, nem ser sempre mentiroso. Não precisa declarar que gosta da gente. Não necessita testemunhar, nem provar sua amizade.
A amizade não precisa de justificativas.

A gente é amigo por tudo e apesar de nada.