sábado, 28 de fevereiro de 2009

Carta ao meu pai

Pai,

Esta carta poderia (deveria) ter sido escrita há vários anos.
Nem eu, nem você, pensamos nisto. Ou quando pensamos, a vida nos interrompeu e ficaram palavras sem dizer, abraços sem se dar, confidências sem se expressar, desculpas sem pedir, perdão sem se dar. Mais que isto, não escrevemos nada em conjunto.
Eu gosto muito de música e o senhor tinha a música como profissão e paixão, mas, nem sequer uma nota entoamos. O senhor sempre foi muito espirituoso, contudo, nem uma piada contamos juntos.
Eu queria tantas vezes lhe relatar meus sonhos, mas o senhor estava longe pensando nos seus que foram desfeitos.
O senhor querendo contar suas apreensões, suas angústias.
O senhor querendo contar o seu passado, os seus motivos, e eu querendo falar do meu presente, do meu futuro, dos meus medos e inseguranças.
O senhor me olhando como se perguntasse: “O que este meu filho pensa de mim”. E eu lhe olhando e questionando o que este “meu pai quer de mim?” .
Eu via seu corpo definhando e tentava de alguma maneira testar o “seu computador”, que era o que o senhor dizia que nunca falhava.”Qual o número da senha do banco?” “Qual o número do meu telefone” “Qual o dia do nascimento de tal filho”?
O senhor estava muito próximo, mas, nossas vidas moravam muito distantes uma da outra.
Por vezes, sentia que o senhor iria me contar algo muito importante, alguma coisa que definisse ou que unisse as nossas vidas tão dispersas.
Mas, o dia-a-dia interrompia as nossas verdades, e o que sobrava era apenas frases de um cotidiano meu e seu. “O que o senhor comeu hoje?” “Amanhã eu vou trazer minha mãe aqui”. E nas despedidas: “Deus lhe abençoe meu filho e lhe abra os caminhos”
Escrever esta carta está sendo muito difícil.
Para quem eu vou remetê-la.O senhor está ainda mais distante.
Eu sempre achei no fundo do meu coração que o senhor me fez muita falta.Quantas vezes eu chegava da rua querendo contar algo que tinha acontecido comigo, minha mãe dormindo, minha irmã também, os meus irmãos já com as suas vidas e eu apenas com o travesseiro como confidente.O que fazer? Para onde ir? Como resolver tal problema? Será que ela gosta de mim? Devo ou não devo tomar tal decisão?
Contei muito com a minha mãe, que sempre foi o que o senhor não pode ter sido. Mas, o senhor sabe que não é a mesma coisa.
A voz de uma mãe soa diferente, assim como uma pequena onda que chega cansada ou descansada à praia. E, quantas vezes, precisamos daquela onda forte que se arrebenta nas pedras.
A voz de mãe lembra realmente uma canção de ninar, mas quantas vezes, precisamos é de um toque de alvorada, a nos acordar para a vida, a nos preparar para a batalha..
Os nossos abraços lembra? Sempre foram muito rápidos e tímidos.
Na verdade era como se tivessem que ser interrompidos para não permanecerem indefinidamente.
Minha mãe sempre nos olhando, nos observando e eu no meio de ambos, correndo de ambos, querendo deixá-los a sós, porque além de mim, vocês ficaram muito tempo sem dizer nada, um para o outro. E como nos faz falta dizer, como faz falta um gesto, como faz falta...a falta sua.
Hoje tento me agarrar ao que vivo, dia após dia, meu pai, eu sigo o meu caminho. Mas, quase sempre sinto a vontade de perguntar: aonde essa estrada vai me levar?
Pai, aonde quer que o senhor esteja, fique em paz.
Aqui embaixo, a minha guerra continua.
A banda e o coreto que o senhor tantas vezes tocou também continuam.
E as suas lembranças e a sua falta também permanecem em mim.
Seu filho!

Meio ambiente ou meio de vida?

O meio ambiente virou moda no mundo inteiro. Um exemplo claro e literal é ver dezenas de modelos nas passarelas protestando contra a caça indiscriminada de animais para comercialização de peles. Outros exemplos estão nas grifes que utilizam a natureza para obterem vantagens competitivas no mercado. Se avançarmos mais ainda, perceberemos as dezenas de organizações não governamentais, que surgem da noite para o dia, desejando, por sua vez, um pedaço do verde, que neste caso, são os dólares americanos.
É isso. Por detrás de campanhas para salvar o mundo, existem, infelizmente, milhares de pessoas querendo salvar a sua própria pele. O meio ambiente virou meio de vida para muitos.
Na terra brasilis, não é diferente, ou você achou que fosse?
Primeiro porque, apesar de o país possuir muitos recursos naturais, incontáveis são aqueles que pensam mais nos recursos financeiros. E a nossa terra é fértil para isso. Veja, são inúmeros os órgãos governamentais e não governamentais para cuidar da ecologia. Um cuida da água, outro do solo, outro dos animais, outro da flora, outro para fauna, outro fiscaliza, aquele pune...porém, inexiste uma ligação entre eles e aí, afloram e afanam os contribuintes por todos os lados.
A burocracia cumpre a sua parte e “molhar a mão” tem outros significados que nada lembra aquele recurso natural finito, que por sinal, faz aniversário mundial no próximo dia 22 de março.
Quer um exemplo prático: Um amigo próximo está tentando montar um pesqueiro seguindo a legislação vigente já faz mais de um ano. Esses dias pensei em lhe dar uma camiseta de presente que ao invés do "Tá nervoso? Vai Pescar" teria a seguinte inscrição: “Quer ficar nervoso? Tente montar um pesqueiro”.
É isso. O Brasil é campeão em biodiversidade.
Pena que também ocupe as primeiras posições em biodesonestidade.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Revolução dos Livros

E começou assim, como se não tivesse começado, aos poucos, em um movimento silencioso, eles foram ocupando todos os espaços, todas as mentes, todas as casas.
E foram mudando comportamentos, transformando idéias, seduzindo crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Na verdade, embora tivessem sempre algo a dizer, muitas vezes ficaram esquecidos, encostados, sujeitos a erosão do tempo, jogados literalmente às traças, como se costumou falar. Amarelados, enfraquecidos, corroídos, pareciam estar mortos e sujeitos às suas próprias limitações.
Porém, o que ninguém sabia, é que mais do que serem vistos e tocados, eram eles que observavam os gestos, liam a vida, espelhavam os homens. Estiveram sempre ali, a espreita, na espera do momento certo, para então, ao serem retirados de sua aparente passividade, demonstrarem a sua real força como instrumentos permanentes de transformação.
Muitos sabiam do poder que eles tinham, mas, a grande maioria olhava-os de longe, e por razões que não cabe aqui declinar, pouco se atreviam a um contato mais íntimo. Quando isso acontecia, parecia que um novo mundo seria então descoberto.
No entanto, a porta logo se fechava, o mundo se tornava o mesmo, na mesquinhez das coisas, na impotência do não ter, na indignidade dos atos de outros seres.
Mas voltando a nossa história, eles foram se juntando,dia após dia, foram se somando, se multiplicando, se dividindo.
E como um grande exército mundial, vindos de todos os cantos da Terra, eles pularam das estantes, fugiram das bibliotecas, das cabeceiras e criados-mudos, e invadiram, finalmente, a cabeça e o coração de todos os homens da terra.
O era uma vez se fez de vez em um final feliz na grande e definitiva
Revolução dos Livros.

XEROQUIZIS AMBULANTIS

Com o tempo, os nomes foram mudando, ou será que com os nomes, os tempos é que foram mudando? Éramos fregueses do armazém e o nosso nome, muitas vezes, com uma referência familiar era anotado em uma caderneta, juntamente com os gastos diários, que saldávamos no fim do mês. As compras eram somadas em folhas de papel de embrulho, e a caneta (Bic) ficava atrás da orelha do atendente, que geralmente era o próprio dono do armazém (o “seu Toninho”- que também tinha nome). Este costumeiramente cumprimentava a gente, inclusive, perguntando por toda a nossa família.

- Como vai a sua mãe? E o seu pai, melhorou da gripe?

Os produtos,na época chamados de mercadorias, eram colocados no chão mesmo, ou em cima do balcão e tudo parecia uma bagunça só, mas, que nos passava uma sensação de proximidade, de aconchego mesmo. Os sacos de estopa abertos mostravam as mercadorias (feijão, arroz, açúcar cristal, macarrão) e havia um cheiro no ar que nos atraia e que a nossa memória olfativa nunca conseguiu definir e nem sentir igual.

Passou porém o tempo, deixamos de ser fregueses e viramos clientes. Quem nos atende já não é mais o seu Toninho, (alias, onde andaria o seu Toninho?) mas sim o crachá de um funcionário, cujo nome não me lembro. E a gente sem crachá e sem nome, sem mãe, nem pai, viramos mais um número no computador. O armazém virou supermercado, o balcão de madeira virou gôndola e as mercadorias viraram produtos com marcas. A caneta virou calculadora, a caderneta virou checkout e a gente se vira para achar os produtos e o cartão de crédito que tem o nosso nome em letra miúda e uma senha que a gente vive esquecendo. E ainda dizem que nós somos o “rei” e tudo ali existe para satisfazer nossos desejos e necessidades. Nos perdemos em meio a tantos produtos, centenas de marcas, embalagens e rótulos, promoções e carrinhos que nos atropelam. O consumo vive a nos consumir. Estamos no BIG, no HIPER, no corredor do “WALL MORTE”. O nosso carrinho se enche, o nosso bolso se esvazia e a gente se enche de alegria, afinal, é um lugar de gente feliz.
Compramos o que todos compram, com dinheiros iguais, pensamos iguais, somos iguais perante a lei da oferta e da procura. Não produzimos, consumimos. Não criamos, copiamos.
Somos downloads, produtos em série, globalizamos o humano, o mundo é realmente plano.
Alguém por acaso sabe por onde anda o seu Toninho?

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Quem está jogando as crianças no rio?

Conta a lenda que dois pescadores estavam na beira de um rio.
Um deles notou que algo vinha pela correnteza e, ao se aproximar da margem, percebeu que era uma criança se afogando. Imediatamente, ele se jogou no rio e salvou a criança. Quase ao mesmo tempo, o outro pescador percebeu uma outra criança se afogando também, e fez o mesmo, pulou no rio para salva-la. Passado alguns segundos, ambos perceberam que mais duas crianças se debatiam nas águas e pularam novamente para efetuar o salvamento. Antes que pudessem descansar, notaram que outras crianças vinham pela correnteza e , antes de mergulharem novamente no rio, um dos pescadores disse ao outro:
- Vai tentando salvar quantas você puder , que eu vou lá em cima ver quem está jogando as crianças!

O mundo anda confuso, os problemas são cada vez mais graves e cada um procura a sua maneira sobreviver às correntezas. Não é sem razão que a expressão “estou com a água no pescoço” é cada vez mais empregada. O número de pessoas que estão se afogando cresce em proporções geométricas e, paralelamente, reduz-se cada vez mais o número de pescadores. Cada um se preocupa com a sua sobrevivência e esquece que fazemos parte de um todo universal. Hoje tentamos salvar algumas crianças, amanhã achamos normal que muitas delas percam a vida.
O que fazer?
Como tantos, buscamos também as respostas. Talvez agir como o pescador que foi em busca das razões ou dos responsáveis em jogar as crianças no rio. E ao refletir sobre isso, e sem ter a pretensão de esgotar tema tão amplo e complexo, propomos alguns motivos causadores da situação atual. Um deles é a globalização.
A globalização, oriunda principalmente da Internet, ampliou a possibilidade do acesso à informação e tornou o mundo plano, como argumenta o jornalista americano Thomas Friedman. Isso fez com que as fronteiras geográficas não mais existissem e amplificou valores que atingem todos os países do mundo, indistintamente. À parte os aspectos positivos que a tecnologia nos proporciona e isso é inexorável, o “achatamento” do mundo vem unificar valores que atingem a todas as culturas.
Assim, reflexões sobre o valor da vida, a busca pela felicidade, a importância do relacionamento, para citar apenas alguns exemplos, passam por um filtro único, em uma pasteurização que busca “igualar” países, pessoas e culturas diferentes. Não é sem razão, que uma pesquisa recente realizada na China mostrou que a maioria dos jovens querem ser milionários e em pouco tempo. Ou seja estamos “ocidentalizando” o Oriente, fruto do chamado liberalismo econômico.
Estamos todos “comprando” pensamentos, ações e objetos que podem não ser exatamente o que consumiríamos se não estivéssemos sufocados por uma imposição midiática, que tem como principal instrumento, a Internet.
Tudo bem que o acesso a informatização não se estende a todas as pessoas, daí a existência do que se usou chamar de “analfabeto digital”. Porem, um dos mais desejados objetos de consumo é um lap top, ou um celular de última geração, para citar apenas alguns, que podem nos tornar mais “iguais” em um mundo de imensas diferenças sociais, econômicas e culturais. Nos ensina a natureza que a biodiversidade é a preservação da vida, portanto, nos “empacotar” em um pensamento único pode significar o fim da existência.
Por outro lado, seria hipócrita acreditar que podemos voltar atrás, ou mesmo, anestesiar o mundo e refrear a tecnologia. A Internet é uma faca, que tanto pode cortar alimentos, como pode matar um ser humano, mas é notório perceber que a rede mundial tenta equalizar o que por natureza é diferente.Mas, de novo, o que fazer?
É claro que para uma situação tão ampla e complexa, não existe apenas um único remédio, mas uma das formas de se amenizar os impactos parece ser o que se traduziu como “pense globalmente, aja localmente”. Ter o conhecimento, mas usar a sabedoria para distinguir o que realmente cabe a cada um fazer, sem perder aquilo que nos distingue, a nossa essência, a nossa identidade. “Tudo posso, mas nem tudo me convém” já nos ensina uma reflexão bíblica. Necessitamos saber qual a nossa missão nesse universo, o que podemos contribuir, o que sabemos fazer melhor, o que nos alegra o coração e não perder o foco, ou no popular, “não ser Maria vai com as outras”.
Uma outra sugestão é que cada um procure saber os problemas que atingem um determinado micro-universo, como exemplo, a situação da rua, do bairro, ou da cidade. Cito, exemplificando, o programa “Criança Esperança” da Rede Globo. Sem querer entrar no mérito das questões financeiras dessa ação, mas é uma atitude de responsabilidade social meritória, como também a realizada pelo SBT, o Teleton. Mas, será que as pessoas que auxiliam com suas contribuições crianças que residem em diversas cidades do país, sabem das condições das crianças do seu próprio bairro, de sua própria cidade? É muito saudável auxiliar pessoas em qualquer lugar do mundo, mas será que não é aqui, no meu bairro, no meu universo, que as pessoas estão precisando de ajuda?
Cabe por último, refletir que mais do que saber quem está jogando as crianças no rio, é tentar fazer a sua parte, cuidando das crianças que estão perto de você, no rio que margeia as casas da sua comunidade. Tanto quanto precisamos de rios e de peixes, neste caso, precisamos ainda mais de "pescadores".

Prontuário

O que mata o homem não é o alimento.
É a cabeça cheia, o tormento.
Não é por ser magro, ou pelo excesso de peso.
O que o mata, não é a fome, é o desprezo.

Não é o trabalho, Mas, a luta insana pelo dinheiro.
O que mata o homem, não é a idade
É não ser tratado com dignidade
Na impossibilidade de ser inteiro.

O que mata mais o homem, não é a bala perdida
Mas, não encontrar um sonho que lhe motive a vida
Não é a doença que apaga a chama acesa,
É a falta da riso, do humor, morre-se é de tristeza.

É essa dor civil que aperta o peito
A falta de perspectiva, o amor desfeito
É não ter a certeza de onde veio, nem para onde vai
É não saber ao certo se pode confiar no Pai

O que para o coração do homem não é o enfarte
É a ausência da poesia, ou qualquer forma de arte
É o olhar para os céus e não enxergar a luz
É não ter alguém que o ajude a carregar sua cruz

O que mata o homem não é o tóxico, a bebida, o fumo
É antes o viajar sem leme, o navegar sem rumo
É saber que ao morrer ninguém vai chorar sua ida
Enfim, a morte, quase sempre chega, onde antes, já não existia vida

Precisa-se de Pintores

Um dia o grande criador do universo deu cores à sua maior obra de arte: a Terra.
Ele iniciou a sua pintura, com o Sol, representação máxima da luz que se reflete nas cores. O astro-rei tinha que irradiar luz e energia, com uma cor forte e alegre e, para tanto, escolheu a cor amarela. Não satisfeito, imaginou que essa energia deveria ser multiplicada para dar vida a todas as coisas do planeta e assim, pintou o raio de sol de todas as cores existentes.
Depois, ao olhar para os mares e oceanos, pensou na imensidão deles na Terra. Na paz e na esperança, mesmo diante de grandes tormentas, que deveriam simbolizar. Assim, criou vários tons de azul e outros de verde e assim nasceram, por exemplo, o azul-marinho e o verde-água. A mesmo azul da imensidão ele colocou também na moldura da Terra, o céu, salpicando na mesma matiz as constelações do universo.
As florestas e matas deveriam representar a energia que tudo renova, mas, além disso, a paz de quem sabe da constante mutação das coisas e, na junção novamente do azul e do amarelo, pintou-as de verde.
E desta maneira, Ele, com seu pincel divino, foi pintando todas as coisas da Terra.
Deu vida aos animais, pássaros, peixes insetos, enfim a todos os bichos, pintando-os de todas as matizes, simbolizando a diversidade da existência terrestre.
Fez mais. Em sua grande sabedoria, resolveu que sua maior criação, o ser humano, deveria também ter a mesma possibilidade de dar vida as coisas, dando cores à vida.
Assim, transferiu para o homem, a responsabilidade de continuar o seu trabalho.
Hoje, passado tantos milênios, a Terra foi, por assim dizer perdendo, as suas cores originais. O verde das matas, pelo cinza das queimadas e desmatamentos, o azul do mar pela cor ocre dos óleos e detritos despejados pelo homem. O vermelho deixou de ser o líquido da vida, para ser a cor da violência estampada nas ruas de nossas cidades.
O branco e o preto passou a ser símbolo das diferenças raciais em muitos lugares do mundo.
Sim, a Terra precisa com urgência de pintores que possam resgatar o azul esperança, o amarelo luz, o verde vida, o branco paz e o vermelho amor entre pessoas e seres.
Precisa-se de pintores que se responsabilizem por redescobrir as cores, por tingir de luz e harmonia esse planeta. Tratar com urgência com o grande pintor do universo.

Poços: diabolicamente angelical

Ao andar por Poços de Caldas, difícil não enxergar o que a janela descortina.
A beleza das ruas, dos jardins, dos recantos que a natureza criou.
A majestade das Thermas, a imponência do Palace Casino, a perfeita sintonia das mãos do homem, no Cristo Redentor, com a Serra de São Domingos, escultura do criador.
Contudo, inexorável é o crescimento. Novos prédios surgindo, na verticalização que segrega ainda mais a horizontalidade dos que se sabem iguais. Avenidas se ampliando como veias de asfalto a percorrer o teu corpo. A velocidade dos passos, contrastando com a mansidão dos que se aposentam nos bancos na praça. O trafegar das charretes e o bilhete eletrônico no transporte coletivo.
É Poços, tu crescestes muito, e os trilhos da Mogiana são hoje linhas amareladas no livro da tua história.
Mas, nessa pororoca entre o passado e o presente é que vemos surgir uma cidade diferenciada. É na junção do que é visto como antagônico, a indústria e o turismo, a calma e a pressa, o antigo e o novo, a criança e o velho, das águas que brotam das tuas fontes e do fogo que, no subterrâneo, aquece as tuas águas, que te fizeram assim, Poços, democraticamente divina.
Abre teus braços e, hospitaleiramente, acolhe os que buscam apenas a tranqüilidade em um final de semana.Tu és bucólica e artesanal.
Agasalhas também os que apostam aqui suas fichas no futuro, quer nas universidades que se proliferam em teu solo, quer nas empresas que se instalam em teus bairros.
Tu és desenvolvimento e modernidade.
Tens a sabedoria de que os opostos não se dividem. Eles se somam, se complementam, se integram como o sol e a lua, o dia e a noite, a rosa, símbolo da tua beleza, e os espinhos, representação das tuas deficiências.
Tens a beleza de menina, na maturidade da mulher.
És Caldense! És Vulcão!
És Mcdonalds, és Vagão!
És Casa da Cultura, és Manhattan!
És rua Assis Figueiredo, és rua Padre Henri Mothon!
Poços, tu és, por assim dizer, diabolicamente angelical!

Quem dá mais?

A fé remove montanhas, diz um ditado popular.
Porém, o que notamos hoje são as montanhas de dinheiro, resultado da mercantilização da fé, da comercialização do sagrado, do aproveitamento inescrupuloso do sofrimento humano e de sua confiança em um ser superior.
Quem dá mais?
Quanto mais você der, financeiramente falando, mais auxílio você terá, mais bênçãos serão derramadas, como se o Criador fosse um contabilista a creditar juros e correção nas contas daqueles que doam até o que não têm, mantendo assim as mais diversas correntes religiosas, se é que isto pode ser denominado de religião.
Aliás, cabe refletir que religião vem de religar, significando a busca por uma aproximação do ser humano ao seu Criador. E com certeza, a ligação com o divino não se faz através de uma conta corrente.
Quem dá mais?
Apregoam a força do espírito, mas sorrateiramente e contraditoriamente, materializam suas ambições às custas daqueles que são marginalizados, penalizados e esquecidos por uma sociedade cada vez mais voltada ao ter, do que ao ser.
Reforçam os conceitos capitalistas, porém, estes vêm embalados com simbolismos dos mais diversos, camuflados pelo que dizem ser a luta do bem contra o mal.
Financiam a salvação, capitalizando sentimentos, através de uma oratória cuidadosamente preparada para sensibilizar os que têm na fé, o seu único motivo para continuar vivendo.
Quem dá mais?
Fazem do livro sagrado, um livro contábil onde o débito será corrigido pelas doações em dinheiro dos que creditam suas esperanças e seus sonhos de uma vida melhor.
Ser feliz passa necessariamente, segundo o que apregoam, pelo ter, ter uma casa, ter um carro, ter uma empresa, e isto tudo será concedido àquele que der o que tem.
Quem dá mais?
A fé se torna caixa registradora, as orações, moedas de troca, e o divino, um operador de bolsa de valores, onde o maior valor, não é certamente o ser humano, mas o dinheiro, este sim que paga os nossos pecados, que perdoa os nossos débitos, que nos assegura um lugar no céu.
Quem dá mais?

Para viver um grande amor

Para viver um grande amor é necessário inicialmente
Ter um corpo de atleta,
Pois beleza é fundamental, como já dizia o poeta,
Muita malhação: musculação, natação, bicicleta
Para viver um grande amor, uma rigorosa dieta

Se tiver muito dinheiro, tanto melhor
Um grande amor adora grifes famosas: Pierre Cardin
Christian Dior
Viagens para o exterior de primeira classe,
Um confortável iate
Para viver um grande amor, jóias de dezoito quilates

Um grande amor exige muito além do bastante,
Afinal, quem é que paga um bom motel,
Um restaurante?
Uma casa de campo, outra na praia em frente ao mar,
Caneta Mont Blanc, Champagne Moet Chandon, um Jaguar

Para viver um grande amor é essencial ser romântico,
Mas que isto aconteça em um cruzeiro de um belo transatlântico
É aconselhável mandar flores e o “eu te amo” garrafal
Em um florido cartão
Acompanhado de um raríssimo perfume francês,
Para aumentar a sedução

Para viver um grande amor a alegria é fundamental
Muita festa, badalação, notinhas na coluna social
Problemas, stress, depressão? Assuntos que se devem evitar
Um grande amor merece descanso: experimente um spa!

Para viver um grande amor é preciso, enfim,
Saber que o verbo de ligação mais importante é o ter
- E quanto à fidelidade, o puro e verdadeiro sentimento?
- Espere aí: você quer um grande amor ou está procurando casamento?

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Mundo Animal

A vida do ser humano sempre esteve ligada ao mundo animal, afinal, somos animais racionais, embora haja controvérsias com relação a isso. Mas, dá para entender, por exemplo, quando queremos dizer que cada pessoa deve ocupar a sua função, dizemos, “cada macaco no seu galho”, que tem tudo a ver com a nossa árvore genealógica. Ou seja, o nosso mais antigo ancestral deve ter sido um macaco mesmo. Aliás, quando alguém está de mau humor, “vira uma onça” e com certeza deve “estar com a macaca”.
Na política, existem os famosos abraços de urso, mas há quem diga, que muitos, na verdade são lobos em pele de cordeiro. Portanto, toda cautela é necessária, afinal, em rio que tem piranha, jacaré nada de costas.
No futebol, aquele deu o drible da vaca, o goleiro engoliu um frango ou um peru e a bola foi parar lá onde a coruja faz ninho. Técnico é o Leão, mas animal mesmo é o Edmundo. Em Poços, periquito é a Caldense e o Vulcão é o quati.
Quer outro exemplo? Apesar do valor da amizade, o melhor amigo do homem é o cachorro, pois é melhor ter um cachorro amigo do que um amigo cachorro. Aliás, o que tem de amigo fazendo cachorrada.
A esperteza não é do homem, e sim do gato que já nasceu de bigode e em terra de sapo, ensina a natureza, mosca nunca dá rasante.
Na relação entre o homem e a mulher, o modelo é sempre o reino animal. Em casa em que mulher manda, veja só, até o galo canta fino. Filhos? Melhor um passarinho na mão que ser pai aos dezoito. Casamento? Gato que levou tijolada não dorme em olaria e malandro é o pato que nasceu com os dedos grudados para não usar aliança.
E a situação econômica? O mar não ta pra peixe. A situação vinha bem, de repente, deu zebra. Agora tem muita gente latindo no quintal para economizar cachorro. E aumentou consideravelmente o número de escorpiões nos bolsos dos cidadãos.
No transito, muitos motoristas afirmam não ter medo de animais na pista, mais sim, dos burros no volante. Tartaruga é sinônimo tanto de quem anda lento, ou mesmo, do redutor de velocidade.
Foca é o jornalista que está se iniciando na profissão. Gato é um rapaz bonito e sereia ou potranca valem para qualquer mulher bonita. Sapo é aquele que foi na festa sem ser convidado e papagaio de pirata é aquele que sai na fotografia também sem convite.
Bem, vamos parando por aqui, pois já estou falando que nem papagaio e como sou cobra criada sei que quem fala demais dá bom dia a cavalo.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Os mesmos bondinhos que sobem, são os mesmos que descem

Estava eu no sexto andar de um edifício na rua Goiás em Poços de Caldas, lá pelo finalzinho da década de 80. Distraidamente, olhava pela janela e me encantava com os contornos femininos e a beleza da serra de São Domingos, com os diversos prédios que iam se formando e que já demonstravam, naquela época, a inexorável horizontalização da cidade. Se me esforçasse um pouco, poderia, ao me debruçar, ver a presença imponente do Palace Casino, rodeado pelo belíssimo jardim do Parque José Afonso Junqueira.
Com certeza, e se me recordo bem, e não me recordo bem, por isso, há controvérsias e dúvidas, pensava em alguma recepção ou decepção amorosa. Nesse devaneio, me acompanhava ao fundo e, literalmente como fundo musical, o hoje saudoso Tim Maia, que com sua voz grave e retumbante interpretava “Gostava Tanto de Você”, naquela bolacha chamada long-play, ou para os íntimos, LP.

“Não sei porque você se foi, quantas saudades eu senti...”

Tudo ia muito bem, como uma propaganda de cigarros ou de carros na TV, como um quarto de adolescente do rock anos 80, como um jogo de fliperama na Praça Pedro Sanches daquele tempo, quando de repente, caiu a ficha, ou o palco caiu.

“Eu corro e fujo dessa sombra em sonhos, vejo o meu passado...”

Uma luz me acordava, e piscando me lembrava, que eu estava “no ar”, como locutor da Rádio Cidade FM. (E nesse momento, abro um parênteses para lembrar aos queridos ouvintes, quer dizer, leitores, o que era uma emissora de rádio FM naquela época. O locutor tinha a sua frente uma mesa Scala de 6 canais para controlar uma série de aparelhos: dois toca-discos, um gravador de rolo, a cartucheira para comerciais e vinhetas -que sempre emperrava nos momentos mais difíceis-, um toca fitas, além, é claro, do próprio microfone. Hoje, só para comparar, em uma emissora de rádio, o computador faz tudo, até demite locutores).


“E eu, gostava tanto de você, gostava tanto de você.”


Atordoado, percebi que Tim Maia, que naquela oportunidade havia ido ao show, deixava o palco sem dar satisfação ao público e me deixava também na mão, pois a agulha do toca-discos nos sulcos do LP, sinalizava que a música havia chegado ao seu final.
Sem saber para onde correr, aliás nem havia espaço para isso, ou a quem recorrer, abri o microfone para dizer algo que pudesse preencher o vazio, ou o temível “deu branco” que assustava e assusta os locutores de plantão. Por falar em plantão e mais como decorrência de sonoridade, e até por uma questão de calamidade, poderia eu, naquele momento, ter dito alguma frase de Platão, como “não há ninguém, mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o amor toma conta dele.” Até porque, o amor era platônico naquela época.
Mas, desconhecendo Platão , vendo os pratos do toca disco na minha frente, o microfone aberto, os ouvintes ou “outrintas” aguardando uma voz que pudesse tirar a todos do terrível silencio, Tim Maia indo embora, e ao ver, bondinhos coloridos que subiam a serra de São Domingos e pessoas em branco e preto, tomei uma atitude. Em um reflexo de inspirada sabedoria, lancei ao espaço a indagação que mudaria a minha vida e a de muitos:
“Você sabia que os mesmos bondinhos que sobem são os mesmos que descem?”.
Sem dar tempo para a resposta, já que esta exigiria uma profunda reflexão minha e dos privilegiados ouvintes , fechei o microfone e, imediatamente, coloquei na cartucheira uma vinheta que dizia sonoramente: “Cidade FM – a rádio que toca você”. Hoje, passado alguns anos, muitas pessoas, se questionam, ao passarem em frente ao bondinho em Poços de Caldas (e a dúvida continua existindo) se os mesmos bondinhos que sobem são realmente os mesmos que descem.
Me faz lembrar e, longe de mim qualquer comparação, o escritor
Carlos Drummond de Andrade, que em sua sábia reflexão afirmou que media in via erat lápis, erat lápis media in via ou “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho". Será?

O silêncio dos culpados

Encontro casualmente pessoas nas ruas e fico surpreso quando estas me dizem que leram determinado artigo meu nos jornais. Sinceramente, menos pelos elogios que alguns me dirigem, frutos sei, da amizade e de um carinho gratuito, mas, principalmente, porque escrever para mim é uma necessidade.
Como disse certa vez , escrevo para azarar a sorte, para não morrer de silêncio. Posso declarar-me um apaixonado pelas palavras, com a certeza de nem sempre ver esse amor correspondido. Por incontáveis oportunidades, não sei o que dizer, nem como expressar determinado sentimento ou pensamento. Mas, até nesses momentos, vale o desejo de encontrar um verbo, um substantivo, um adjetivo, na busca incansável por construir uma frase que reflita a minha verdade. Talvez aí, o meu maior compromisso, de, ao perceber o que se passa, quer seja no mundo ou em minha cidade, tentar traduzir os fatos, através da subjetividade das palavras e das minhas confessáveis limitações.
Tenho plena consciência dos erros que estou sujeito a cometer, quer seja por um pensamento mal elaborado, uma frase mal construída, ou até pelo meu “português ruim”. Sei do “crime doloso” de uma ironia fulgaz, um trocadilho infame, ou de uma brincadeira com as “coisas sérias deste mundo”. Mas, “prefiro um erro que me divirta, a um acerto que me entristeça”, como disse William Shakespeare.
Prefiro continuar no pecado da palavra, que na inocência da omissão. Prefiro a expressividade simbólica de um sapato atirado, que a clausura obrigatória da gravata apertada no pescoço. Prefiro o erro dos que dizem, dos que exprimem, dos que gritam, ao presumível acerto daqueles que nada fazem pelo medo de errar. Prefiro arriscar o salto, que continuar pisando em terra firme. A rebeldia da juventude que a sabedoria dos monges. O grito incontido dos culpados, ao silêncio letárgico dos inocentes. A busca, que o encontro. A dúvida, que a resposta. A caminhada, que o destino. A escuridão da noite, que a claridade do raiar do dia. “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Prefiro Raul a Paulo Coelho.

ENTRA ANO, SAI ANO...

As previsões numerológicas e astrológicas se confirmaram e para rimar, deu à lógica: o ano velho terminou exatamente como os anos que o antecederam. Aliás, é cada vez mais impressionante a nossa capacidade em fazer um final de ano no presente, “quinem” os outros do passado. É um RÉplay, um RÉmember. Se final de ano tivesse título seria “Vale a pena ver de novo” (?). Alias, não se sabe a razão de muita gente dizer que “repetiu de ano”. O certo seria “repeti o ano”.
Para variar o Natal voltou a cair no dia 25 de dezembro e o ano novo no dia primeiro de janeiro. Se fosse só isso, a gente até que se conformava, mas vejamos outras reprises.
São Pedro continuou o mesmo, nos “presenteando” (com grande ajuda dos seres humanos, é verdade) com chuvas e enchentes em boa parte do país. E, seguindo o mesmo roteiro, foram registrados novamente, graves acidentes nas estradas, apesar dos esforços de São Cristóvão. Santa Repetência! O que mudou um pouco, diga-se de passagem, ou na passagem, foi São Jorge, que fenomenalmente contratou Ronaldo para tentar fazer milagres no Corinthians.
O Papai Noel com o mesmo traje, as árvores enfeitadas com os mesmos enfeites, as mesmas festas de “semfraternização”, as mesmas comidas e bebidas, os mesmos indesejáveis abraços sem desejos de gente desejando desejar e a “enorme expectativa de descobrir quem é o amigo oculto”, marcaram novamente a Natalidade de um nascimento ocultado por tantos embrulhos.
Na televisão, a eterna majestade do Rei Roberto Carlos com eternos sucessos que nos acompanharão por toda a eternidade. “Mas, eu estou aqui vivendo este momento lindo, de frente pra você, e as emoções se repetindo...”- Ah, pelo menos nisso a gente concorda com o Rei.

Na prova africana da São Silvestre, com o mesmo trajeto, as mesmas fantasias de atletas nos poucos segundos de fama, adivinha quem foram os vencedores? Adivinhão! Uma etíope e um queniano. Destaque-se que tivemos um Cordeiro muito mais mansinho e um Caldeira que, infelizmente, esquentou demais durante a prova...
Ah! mas, teve um momento na TV que houve grandes mudanças. Plin! Plin! Foi o “Rever íon” do Rio de Janeiro, com a tradicional queima de fogos em Copacabana. Foram 20 minutos de explosão de luzes e cores, com 4 minutos a mais em relação a 2007. Ou seja, como diriam os franceses, o Déjá vu foi ampliado, ou no popular brasuca, aumentamos o tempo da mesmice.
Seguindo a linha francesa de raciocínio, que é tré chic, Lavoisier afirmou em sua teoria que “na natureza nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma”. Na prática, porém, contrapondo o pai da química moderna, podemos afirmar que nada realmente se transforma no final do ano.
Para finalizar esse texto, que também de novo não tem nada, vamos repetindo o que se tem visto repetitivamente nas propagandas de TV:
Em 2000 inove, tente, invente, faça, pelo menos, um final de ano diferente.

DESAFINADOS

A música, como qualquer manifestação artística, revela o seu próprio tempo. Ela é espelho de uma geração, de uma cultura, de uma fase na história de uma comunidade.
Basta observarmos a própria música popular brasileira e teremos aí o reflexo disso: a bossa-nova, o iê-iê-iê, a tropicália, o samba-canção, o chorinho, as músicas de contestação, de revolução.
Todas estas fases musicais eram identificadas na própria sociedade, na maneira de pensar, de se vestir, o espelhar de questões políticas, sociais e econômicas.
Se é assim, o que a música brasileira atual tem a ver com os padrões de comportamento da sociedade?
De algum tempo para cá, se não nos enganamos, da década de 90 para os dias atuais, a música popular em nosso país foi dominada pelo sertanejo, pelo axé, pelo pagode, pelo funk e pelo rap.
Saíram de cena, o bom rock nacional, a bossa-nova, a MPB, representada por dezenas de compositores, intérpretes e arranjadores da maior qualidade. Entraram “as cachorras”, o bonde do tigrão, o sertanejo que não fala mais da vida no campo e sim dos amores urbanos, o pagode da mesmice, o axé sem compromisso, o funk da bundinha, na boquinha da garrafa, o créu, e por aí afora...
Tudo isto apoiado por uma indústria cultural a quem interessa o descartável, o produto de venda rápida, a massificação e o obsoleto.
Infelizmente, perdeu-se muito na qualidade e avançou-se muito na quantidade de gosto duvidoso.
Já não ouvimos mais, de maneira geral, letras bem elaboradas, arranjos bem feitos, interpretações de puro sentimento.
Poderão até dizer que estamos sendo saudosistas e preconceituosos, mas, se a música é reflexo de nosso tempo, quanta pobreza, quanto desalento, perda de valores e falta de criatividade estamos vivendo!
Muitos irão dizer que gosto não se discute, esquecendo-se de que esse gostar tem sim, o sabor da imposição e dos interesses de quem domina o cardápio musical e a mídia no país.
Enfim, se a música traduz uma sociedade, sinceramente, estamos todos muito desafinados.

Cansado de ser pobre

Pobre quando come frango
Um dos dois tá doente
Só quando pobre tropeça
É que ele vai pra frente

Só quando rico faz transplante
É que pobre é lembrado
Pobre é que nem parafuso
Vive sempre apertado

Rico que corre é atleta
Pobre correndo é ladrão
Rico anda de Mercedes
Mercedes de pobre é caminhão

Um dia eu quero ser pobre
Mas contudo, porém, todavia
Tô cansado é de ser pobre todo dia

Pobre só fica de barriga cheia
Quando morre afogado
Em cima da mesa de pobre
O garfo vive folgado

Coceira de pobre é sarna
A do rico é alergia
Ladrão em casa de pobre
Leva susto a reviria

Cada vez sobre mais mês
No fim do meu salário
Tô cansado de ser pobre
Quero ser é milionário

Big broter de nego pobre
é buraco de fechadura
Pobre só escova o dente
Quando tira a dentadura

Um dia eu quero ser pobre
Mas contudo, porém, todavia
Tô cansado é de ser pobre todo dia

As mil e uma mortes

A gente pra nascer, só existe um jeito,
Mas pra morrer, meu irmão, não existe preceito

Morre-se de câncer ou então, de canseira
Morre-se com ciência, ou então, de bobeira

Morre-se queimado e também afogado
Assim e assado, assaltado, assassinado

Morre-se esquisito na esquistossomose
Morre-se lepto na leptospirose

Morre-se pela bolinha, ou pela ébola
De sarampo, varíola e também catapora

Morre-se no carro, no mar e na moto
Na terra e no ar, furacão, maremoto

Magro ou gordo, não importa a caloria
Enterra-se com Aids e com desinteria

Meningite, diverticulite e até apendicite
Morre-se assim, ali e aqui, lá em New York City

Morre-se pelo tóxico, ou pela toxoplasmose
Morre-se de anemia, ou de overdose

Morre-se de infecção hospitalar, a septcemia
De enfisema pulmonar em pleno ar do dia

Ninguém sabe o dia ou a hora exata
É um dengoso mosquito que pica e que mata

Morre-se no ataque do coração que parou de repente
Ou no ataque de um cão que parecia inocente

Morre-se ao nascer ou pelo muito viver
Morre-se de rir, ou de tanto sofrer

Morre-se de amor, diz o romântico poeta
Morre-se de ódio por uma bomba incerta

Enfim, morre-se por tudo, com tudo, ou por nada
De uma doença fatal, ou por uma unha encravada

Mas, se não descobre-se a causa, quando a morte convida
- Morreu de quê?
- Ah! Morreu de morte morrida.

Mudanças

Todo mundo já sabe que o mundo não para de mudar e, em um tempo acelerado como o que estamos vivendo, isso é mais do que certo.
Muda-se o nome, o endereço, o estado civil, a religião, e até o sexo. Muda-se de emprego, de cidade, de país e até, desta vida para outra. Muda-se muito de ideia e por falar nisto, a mudança ortográfica, tirou o acento agudo da palavra. Quem será que teve a brilhante ideia? Estranho escrever sem o acento, ficou uma feiúra. Ih! Feiura também perdeu o acento, mas, mulher bonita continua tendo assento garantido.
Outra palavra que perdeu o acento circunflexo, o famoso “chapeuzinho”, foi voo. Já imaginou como voar nas linhas aéreas se o voo não tem mais assento.
Outra alteração foi a entrada em campo das letras w, y e k, que faz tempo estavam sendo usadas no Brasil, porem, irregularmente. Agora sim, você pode praticar kung fu, com k, ser um playboy com y e dar um show com w e com plateia (sem acento). Aliás, já imaginou uma plateia em pé, sem assento?
O importante é não esquecer que herói continua tendo acento garantido e com direito a troféu, que também continua acentuado.
Mas, não se desespere e não trema, fique tranquilo, pois o trema caiu. Contudo, não fique tão tranquilo, porque embora sequestro tenha perdido o trema, nada indica que a prática vá desaparecer, com ou sem trema...
Outra mudança foi a queda acentuada do acento diferencial. Porem, nesse caso, tem coisa que pode e coisa que não pode. Por exemplo, as palavras pôde e pode, como na frase: semana passada ele não pôde assistir o programa Hora da Verdade, mas, esta semana ele pode.
Com relação ao acento diferencial, vou lhe informar outra da reforma: qual é a forma da fôrma do bolo?
Agora, se tem uma coisa que está deixando muita gente paranoica (assim mesmo sem acento) é o tal do hífen, que sofreu muitas mudanças.
Em regra geral, quando a segunda palavra for com h (olha o cacófono), tem hífen. Por exemplo, anti-higiênico.
Com tantas alterações, tem gente se sentindo, depois da reforma um semianalfabeto. O meu microcomputador, por exemplo, se recusa a aceitar as novas regras, como um perfeito contrarregra.
Bem, antes que eu encontre alguém super-reacionário e ultrarresistente a este texto, me acusando ser um pseudoprofessor, ou um paraquedista do assunto, vou encerrando esse texto, antes que eu leve um pontapé no meu assento.
E como esse texto fala em mudanças, melhor mesmo é mudar de assunto. A crise financeira tem mudado....

O CARNAVAL E A CRISE



Já é carnaval em boa parte do Brasil e agora sim, o momento adequado para falar sobre a crise financeira que desfila pelas avenidas do mundo. Sim, porque para nós brasileiros, a crise é apenas fantasia de gringo e com o reinado de momo vamos de porta-estandarte cantando alegremente:
“Ei ! Você, aí ! Me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí”.
Todos já sabem, mas é importante lembrar que a crise só entrou na passarela, porque o principal país do primeiro grupo, os Estados Unidos, atravessou a harmonia e esqueceu o enredo. O mesmo ganhador de tantos carnavais e que já fez escola no mundo globalizado, através da alegoria da Bolsa de Valores e do adereço no valor dos imóveis.
“Você, pensa que cachaça é água, cachaça não é água não, cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão”.
Após o abre alas norte-americano, houve o aumento da comissão de frente com a entrada de todos os países do primeiro grupo vestindo o mesmo abadá da crise, sem direito a camarote e com milhares de foliões desempregados.
“Daqui não saio, daqui ninguém me tira, daqui não saio, daqui ninguém me tira...”
Agora, cabe ao mestre-sala Obama pegar uma subvenção e tentar um novo tema para manter a evolução do Tio Sam.
Mas, para nós que estamos do outro lado, que é lado, lado de lá, moramos no país do carnaval, e mesmo sabendo que “a bruxa vem aí e não vem sozinha , vem na base do saci” , a nossa coreografia é outra.
Somos do segundo grupo e o que nos interessa no momento, são os quesitos da descontração e da ilusão. O que vale é chuva, suor e cerveja.
E os apuros da crise?
Deixa para a apuração na quarta feira de cinzas.
“Deixa as águas rolar....”.
Por enquanto, vamos desfilando alegremente em nossos carros alegóricos no bloco do terceiro mundo.
“Olha o bloco de sujo, que não tem fantasia, mas que traz alegria, para o povo sambar, olha o bloco de sujo, vai batendo na lata, alegria barata, carnaval é pular”.
Pulemos a crise.

Benvindo (a)

Seja benvindo (a) a este blog.
Ele é um espaço que milhões, quer dizer, milhares, bem algumas centenas, quero dizer, dezenas, na verdade, duas pessoas me sugeriram com a finalidade de inserir os textos que escrevo para os editoriais de abertura do Hora da Verdade (programa que apresento há mais de 12 anos pela TV Poços) e também outros textos fora de hora que ouso redigir.
Não contem gluten. Não aceitamos devolução.
Obrigado pela preferência.
Volte Sempre.