domingo, 27 de fevereiro de 2011

A zanga dos artistas

Vamos combinar. A maioria dos artistas não sabe fazer conta. Talvez, em decorrência disso, tem muita gente que não faz conta do artista. Levando-se em conta que o dinheiro é que mantém as contas de todos nós em dia, o artista hoje necessita sair do mundo do “faz de conta” e cair no real: o mundo quer pessoas prestando contas, e, afinal, artista também paga água, luz, aluguel...
Assim, embora não seja de nossa conta, acreditamos que todo artista deveria contar com um contador. Não o de histórias, que este também é um artista, mas com aquele profissional que tem a calculadora como instrumento. E vem a pergunta: como calcular a dor de um artista ao ver seu trabalho desvalorizado? Porém, temos que concordar caso um artista nos disser: além de tudo, pagar as contas de um contador?Ah! Conta outra vai...
Sabe-se que para o artista, o que vale é a apresentação do seu número na praça. Mas, para o mundo o que vale é a apresentação dos números no mercado. Banco para o mundo é a instituição que cuida dos investimentos financeiros. Já para o artista, banco é um lugar onde as pessoas sentam para ver uma peça teatral, um espetáculo. O patrimônio do artista é a sua arte. Para o mundo, patrimônio é um conjunto de bens, direitos e obrigações que uma empresa possui.
A zanga de um artista é quando o seu trabalho é visto apenas pelo seu preço e se esquecem do valor cultural que este venha a representar para determinada comunidade. Para o artista, o que ele faz é insubstituível e intransferível e em razão disso, não quer que o vejam apenas como um boneco sem expressão. Mas, como sobreviver à pressão de um mundo que tem pressa?
A sensibilidade é tudo para o artista. Para o mundo, tudo é contabilidade.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Maquiavelicamente

Muitas vezes buscamos entender as questões que envolvem o universo da política, posto que, na maioria das vezes, nos parecem absurdas, contraditórias e inexplicáveis. A maioria prefere nem se aproximar do tema, mas daí refletimos: a quem interessa o desinteresse, a apatia, a omissão? Recorremos a Brecht: ”da ignorância política, nasce à prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” Nunca é demais lembrar: quem não gosta ou não se interessa por política, será governado por aqueles que se interessam. Responda: quantos são os “novos políticos” que você conhece? A política se retroalimenta. A percepção negativa das pessoas sobre o assunto vem auxiliar o próprio sistema que terá sempre os mesmos postulantes aos cargos públicos. Ou então, ela (a política) será utilizada pelos partidos para a preservação do poder, no espaço maquiavelicamente aberto aos ”populares”, sejam eles “baixinhos” ou “tiriricas”. Os fins justificam os meios?
Quando queremos nos aprofundar sobre determinado tema, nos aconselhamos com aqueles que são reconhecidos e citados ao longo de décadas, e, se o assunto é política, o italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) tem seu espaço reservado. Vale esclarecer que o objetivo de inserir algumas citações do autor de “O Príncipe”, não é o de oferecer nosso aval sobre as opiniões do filósofo e escritor, mas, provocar a reflexão.
Como se tornar um governante? Sobre o assunto, Maquiavel afirmou: “há duas maneiras de tornar-se Príncipe e que não se podem atribuir totalmente à fortuna ou ao mérito. Essas maneiras são: chegar-se ao principado pela maldade, contrárias a todas as leis humanas e divinas; e tornar-se príncipe por mercê do favor de seus conterrâneos”.
E quem são os “inimigos do rei”? “Assim, são teus inimigos todos aqueles que se sentem ofendidos pelo fato de ocupares o principado; e também não podes conservar como amigos aqueles que te puseram ali, pois estes não podem ser satisfeitos como imaginaram e nem poderás usar contra eles remédios fortes, obrigado que estás para com eles.”
O que um governante deve temer? “O pior que um Príncipe pode esperar do povo hostil é ser abandonado por ele. Mas, da inimizade dos grandes, não deve temer só que o abandonem como também que o ataquem, pois têm estes maior alcance de vistas e maior astúcia, e têm sempre tempo de salvar-se, procurando aproximar-se dos prováveis vitoriosos. Ao Príncipe é muito mais fácil conquistar a amizade daqueles homens que estava contentes com o regime antigo, sendo, portanto, seus inimigos, do que a daqueles que, por descontentes, fizeram-se seus amigos e aliados, ajudando-o na conquista do Estado. Note-se que um Príncipe deve ter o cuidado de não fazer aliança com um que seja mais poderoso, senão quando a necessidade o compelir, pois que, vencendo,ficará prisioneiro do aliado”.
Como um governante deve escolher seus secretários? “A primeira conjetura que se faz, a respeito das qualidades de inteligência de um Príncipe, repousa na observação dos homens que ele tem a seu redor. As cortes estão cheias de aduladores, porque os homens se comprazem tanto nas coisas próprias e de tal modo se enganam nestas que é com dificuldade se defendem dessa peste”.
Como escolher entre o bem e o mal? “As injúrias devem ser feitas todas de uma vez, a fim de que, tomando-se-lhes menos o gosto, ofendam menos. E os benefícios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreados.”
Nada mais havendo a tratar, convido, a quem interessar possa, a ler Maquiavel... ou não. Afinal, política é um assunto que só deve interessar aos políticos. Maquiavelicamente.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Manifesto do “tudo às claras”, incluindo as gemas

Confesso que não sabemos se a situação é particular, fruto das nossas atividades profissionais, mas, temos ouvido em cada esquina muitos boatos sobre a política local. São comentários sobre a atual administração, o trabalho dos vereadores, especulações sobre quem será o próximo prefeito etc. Vemos isto, guardado os devidos “filtros”, como extremamente salutar. Refletimos sim, que a participação social poderia ser muito maior e que muitas “vozes” se calaram ao longo dos últimos anos na cidade, o que é de se lastimar. E independente do “contra” ou a “favor “(que, infelizmente, é como muitos políticos ainda dividem as pessoas), temeríamos muito mais viver em uma sociedade apática, imobilizada, silenciosa e alienada. Sinceramente, buscamos nos policiar para escutar muito e falar pouco, pois ao longo do tempo, aprendemos que no oceano da política, o que aparece na superfície não reflete verdadeiramente o que acontece nas profundezas. Procuramos então, entender os boatos como conseqüência e não como causa. Aprendemos ainda, ao longo de décadas no universo da comunicação, que o boato surge quando a comunicação é ineficiente. Comunicar -na etimologia da palavra- é ”tornar comum”, ou seja, só existe comunicação quando em um relacionamento pessoal ou profissional as pessoas entendem o que está sendo comunicado. Muitos empresários e administradores públicos confundem comunicação com informação. Acreditam que estão comunicando quando estão apenas informando, e, diga-se de passagem, informando mal. Parece ser apenas uma diferença semântica, entretanto, informar não inclui o diálogo, a interatividade, a discussão saudável. Tem mais o significado de dar um aviso, um parecer, uma ordem. Não é a toa que vivemos na sociedade da informação e não da comunicação. Estamos informando cada vez mais e comunicando cada vez menos.
E o que acontece, quando não se sabe o que acontece?
Quando a comunicação não é transparente, abre-se um caminho (muitas vezes, uma rodovia) para a perigosa rede de boatos, de juízos nem sempre corretos, onde cada um inventa (ou aumenta) uma situação. Por isso é que, na maioria das vezes, quem se julga vitima de boatos, de alguma forma, contribuiu para que eles se proliferassem. Antes de “sair comunicando” (ainda que boas notícias) é necessário planejar muito para evitar interpretações errôneas e desentendimentos. O planejamento antes do “fazejamento” evitando assim, as denominadas iniciativas sem “acabativas”.
Não é fácil ser político. Muitas vezes é preciso enfrentar interesses conflitantes. Daí, como agradar um, sem desagradar o outro?
Importante alertar que o eleitor brasileiro tem mudado no transcorrer da nossa recente vida democrática. Cansada das promessas, dos abraços e tapinhas nas costas, o que se percebe é que a população deseja políticos modernos, sem o discurso retórico e ultrapassado das tribunas. Políticos que digam não olhando para os olhos de quem os ouve. Nesta premissa, não se aceitam mais “votações secretas”, meias-verdades, respostas não conclusivas, utilização de terceiros como porta-vozes, políticos que não assumem suas opiniões, suas decisões, seus erros.
Ao que ser percebe, a população quer, dos seus representantes em todas as esferas, a sinceridade e a veracidade, sem partidarismos, sem jogos de poder, sem rodeios, nem evasivas.
Tudo às claras, incluindo as gemas.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Chá de boldo

Quando éramos crianças se alguém em casa passava por algum problema de saúde, lá vinha minha mãe com sua sabedoria e um remedinho caseiro, geralmente um chá de alguma planta medicinal que ela cultivava na horta. E aí, era “tiro e queda”: logo estávamos bem novamente. Atualmente, tantas são as recomendações na área da saúde, que as pessoas ficam com receio de tomar qualquer coisa. Tem gente até evitando tomar banho. Há que se refletir ainda que, embora muitos profissionais da saúde sejam contrários aos “feitos em casa”, o “chá de cadeira”, infelizmente, continua empregado em consultórios médicos.
Mas, voltando ao assunto, o hábito do remedinho caseiro ficou tão marcante em nossa família que ainda hoje, sempre que alguém tem um pequeno mal estar, volta a pegar uma “consulta” com a Dona Ana, que em seus 93 anos, continua receitando seus chás.
Viver hoje tem um custo alto, alimentado pelas necessidades que o consumismo nos propõe. Tal custo nos faz olvidar dos nossos valores e do valor do outro. Colocamos uma venda em nossos olhos e vendemos o nosso maior patrimônio: nós mesmos. Estamos doentes.
Assim é que, pedindo perdão aos leitores pelo trocadilho (sempre infame), quando fico chá-teado com algo que “comi” e que não “digeri” muito bem, agradeço a Deus, ter a possibilidade ainda de recorrer à “minha nascente” e receber os remédios que mantêm a minha integridade e os valores que regem a minha existência.
É lá na horta da casa da minha mãe, no contato com terra e com as plantas, e na conversa próxima ao fogão de lenha, que alimento o meu espírito e que repenso o sentido da minha vida. Foi lá que reaprendi recentemente, que a vida nos propõe sempre uma oportunidade de escolha e que, tudo, absolutamente tudo, é resultado de nossas próprias decisões.
Foi lá que redescobri, que, muitas vezes, o que, inicialmente nos parece amargo, pode ser justamente o que veio nos curar e devolver o que temos de melhor: a nossa essência, o que há em nós, de orgânico.
A vida é sábia. Por vezes nos presenteia com um chá de boldo.