sábado, 7 de junho de 2014

A Copa e a Cozinha


Impossível ficar apático. Basta andar pelas ruas, conversar com as pessoas, ouvir o noticiário. O país passa por uma situação difícil e nós brasileiros estamos inseguros com o presente e incrédulos com o futuro. E não há nada pior que perder a fé no amanhã. Irão dizer que faz tempo que as coisas estão assim em uma tentativa de diluir os acontecimentos, tirardeles a força, reduzir seus impactos. Irão dizer que tal fala é um golpe para enfraquecer a democracia, impedir o desenvolvimento, sabotar determinada candidatura. O discurso vazio chega como fumaça para tentar impedir a visibilidade do momento que atravessamos. Os fatos se sobrepõem às ideologias, descortinam a retórica, evidenciam os eufemismos, denunciam as dissimulações.
O Brasil vive a fantasia da Copa do Mundo e os malabares do circo buscam nos tirar o foco da realidade. Contudo, não reduz a dor civil de um país que se desgoverna no cotidiano. É a corrupção crescente, a crise na Petrobrás, a violência e as drogas nas ruas, a inflação que volta a ameaçar e, o que é pior, as instituições políticas, criminais, legislativas e judiciárias sem a credibilidade necessária para minimizar os impactos sociais e econômicos que o país sofre.
Sim, claro, iremos agitar nossas bandeiras, ficaremos com os olhos grudados na televisão torcendo para a seleção brasileira ou estaremos nos estádios assistindo aos jogos. Contudo, a Copa não esconde a cozinha. São pilhas de pratos e talheres sujos acumulados há anos e tão logo o evento mundial acabe, voltaremos novamente a pensar em quem poderá arruma-la. Ganhar a Copa do Mundo poderá nos deixar eufóricos e alegres por algum tempo, como uma droga que inebria e camufla a realidade. Perder a Copa nos fará voltar mais cedo para casa e dar de cara novamente com a nossa cozinha. O brasileiro comum está então dividido entre o entretenimento que a Copa proporciona e alivia um pouco a dor e os tantos carnês que necessita saldar, em meio à violência e a saúde tão debilitada.
Chegará então o momento eleitoral, que embora seja um instrumento democrático para depositar nosso voto de protesto ou mesmo de crença em algum partido ou pessoa, tem se constituído em mais um placebo para curar tantas doenças sociais, já que a descrença e o ceticismo assumiram o poder. E se o resultado da Copa nos parece incerto, embora exista quem afirme o contrário, o resultado das urnas infelizmente chegará com o sabor da apatia e da incredulidade da existência de vitoriosos.
Enfim, todos juntos vamos, prá frente Brasil, Brasil, salve a seleção. A Copa chegou, mas não esqueçamos que a cozinha nos espera tão logo o evento termine.

Amargor



Chega um tempo em que os olhos acordam lívidos, frios, sólidos.
Somente enxergam o que enxergam. 
A pedra é uma pedra, a flor é uma flor, a semente, semente. 
Tempo de não querer colher, por não querer plantar.
De não querer vencer, por não querer lutar. 
Tempo em que se aceita a existência do imutável.
O peixe aceita o anzol, o cavalo o laço, o pulso, a algema. 
Tempo de emudecer, resignar, aquietar. 
Jogar a toalha, já que a seca chegou.
Aceitar a navalha, já que a dor se instalou. 
Um tempo cético. Um tempo ateu. 
Chega um tempo em que o próprio tempo diz 
Chega.