terça-feira, 13 de abril de 2010

A vida editada

Se cada um de nós tivesse gravado todos os momentos da própria vida, provavelmente, faríamos alguns cortes. Ou seja, sentaríamos em uma mesa de edição de imagens e eliminaríamos alguns momentos que não foram lá muito felizes. Algumas ações que nos prejudicaram e também aos outros. O acidente provocado por um gole a mais, um não que dissemos quando queríamos dizer sim e vice versa. Uma resposta errada, uma agressão física, uma mentira, enfim, uma decisão errônea que tomamos em determinado momento e que só posteriormente percebemos que foi equivocada. Nesta edição, logicamente, muito mais sintetizada, mostraríamos todos os momentos felizes, ou mesmo, faríamos vários filmes curtos, retirados do mesmo roteiro, com objetivos específicos. Um filme com final feliz, outro dramático, outro de suspense, um fato trágico. Estes seriam utilizados em ocasiões diferentes, e normalmente, repare você, já fazemos isto no cotidiano. Quando queremos emocionar, por exemplo, passamos o filme do nascimento do filho. Quando queremos criticar, citamos um fato em que nos sentimos prejudicados e assim por diante.
O que ocorre, porém, é que a vida é construída, dia após dia, e neste filme, não se permitem cortes. Há uma sequência que envolve muitos personagens, que compromete todo o roteiro e que não podemos “escolher” o que mais no interessa em determinado momento. Infelizmente, não podemos editar a vida. Mas, espere aí. Esta frase última pode ser editada aqui mesmo neste espaço, retirando o “in” e o “não “e ela ficaria assim: Felizmente podemos editar a vida.
Meus caros amigos, telespectadores, ouvintes e leitores, existe sim uma possibilidade de edição da vida: a mídia. Através das matérias que são veiculadas nos jornais, rádios, televisões, internet, podemos fracionar determinado assunto e veicular da forma com que imaginamos, ou, como imaginam e querem os repórteres, redatores, produtores, editores, proprietários dos veículos de comunicação etc.
Você concedeu entrevista a uma emissora de televisão e falou durante vários minutos sobre determinado assunto. Quando você foi assistir a reportagem, o que aconteceu? Cortaram muito do que você disse e colocaram apenas uma frase e que na verdade, não traduzia, no contexto, aquilo que você pensava.
Não fique triste. Isto já aconteceu na história da humanidade. Karl Marx, por exemplo, paga um preço muito caro até hoje, por ter dito, que “a religião é o ópio do povo”, quando no contexto, queria chamar a atenção das pessoas para os problemas gerados pelo capitalismo selvagem.
Naturalmente, existem outros lados da mesma moeda. Os meios de comunicação trabalham com as limitações do tempo e do espaço. Isto faz com que muito do material bruto seja cortado pela impossibilidade física de veiculação. Outro dado importante é que estes meios são empresas como quaisquer outras e enfrentam problemas: a competitividade acirrada, recursos humanos, impostos, atendimento às necessidades de clientes cada vez mais exigentes etc.
De qualquer forma (e que não me editem e nem distorçam o pensamento) é importante refletir como usuários (todos nós) dos meios de comunicação que nem tudo o que é veiculado corresponde à total veracidade dos fatos. Existem programas que, muitas vezes manipulam os fatos, que comprometem a vida de um profissional, de uma instituição, de uma pessoa, de uma comunidade, por fragmentarem inescrupulosamente a realidade. Geralmente são programas bem produzidos, inteligentes, mas que falham na ética, pois acreditam, literalmente, que os fins justificam os meios, custe o que custar. Mesmo que vidas sejam destruídas, empresas sejam extintas e uma comunidade seja exposta em rede nacional apenas por uma face de sua história.