domingo, 19 de janeiro de 2014

"Armoço"

As ruas de uma cidade contam muito sobre o desenvolvimento, o crescimento comercial, a situação econômica de determinada comunidade. Mas, sobretudo, nos revelam, sociologicamente, como as pessoas vivem, seus hábitos, comportamentos e até, se mais atentos, o que elas pensam e sentem.
 A Rua Assis Figueiredo em Poços de Caldas é o termômetro do município. O  espelho de quanto à cidade cresceu nas últimas décadas. É possível detectar, nas fachadas das lojas, na chegada dos grandes magazines, no número cada vez maior de veículos e no passo apressado dos transeuntes que aquela Poços bucólica de anos atrás existe apenas em fotos amareladas pelo tempo.
Hoje, por ali, diariamente se encontram e se esbarram, comerciantes e comerciários, empresários e empregadas domésticas, profissionais liberais e políticos de todos os partidos (incluindo os não liberais), muitos pais e filhos e muitos filhos sem pais, “mautoristas” e “mortociclistas”, donas de casas e madames, jovens idosos e idosos jovens, pessoas ligando e desligando o celular, gente que vai e vem, que entra e sai, que fica e vai.
Em meio a tudo isto, há anos, Carlos observava cotidianamente a multidão. Já de muletas, em razão de um problema de saúde, sua figura imóvel, encostada geralmente na parede de um estabelecimento, contrastava com o frenesi existente nas calçadas. Os da nova geração passavam por ele como se Carlos fosse um poste e alguns até, quando notavam sua presença, se desviavam para não serem incomodados por um suposto pedido. Afinal, aquele sujeito ainda jovem e meio gordo, de barba por fazer, de camisa xadrez, calça jeans, parecendo um caubói sem cavalo, não combinava em nada com a moda e os modos dos dias atuais. A pressa no passo nos faz apressar a falta de apreço. 
Por outro lado, Carlos era muito conhecido, principalmente por políticos de todos os partidos, incluindo os não liberais, que o cumprimentavam costumeiramente, sendo que muitos até liberavam um dinheirinho rapidamente, pois, se sabe, existem coisas muitos mais importantes a serem discutidas e resolvidas. Como ficar conversando com Carlos sobre cavalhadas (seu assunto predileto) se o trânsito está ficando caótico, se existem pessoas precisando de atenção nas escolas e hospitais, se as drogas invadem as ruas e lares e, a violência, por ser tão costumeira, já nos deixou de violentar? 
Ah, Carlos, você não sabia que o mundo mudou demais e sua presença, seus assuntos triviais, sua risada marota e até infantil, já não cabiam na Poços de hoje. Você teimava em viver na Rua Paraná, que hoje Carlos, se chama Rua Assis.
Na ultima sexta feira, Carlos Donizetti Cerezani, o popular “Armoço”, nos deixou. Com certeza, não será nome de rua e nem terá seu nome citado no Google. A Rua Assis continuará seu movimento frenético e ninguém por ali notará sua ausência.
Alguém lá de cima o chamou para conversar sobre Cavalhadas e hoje, honrosamente, Carlos, o “Armoço”, já faz parte da Ordem de Cavaleiros de São Jorge. Alguém dúvida?

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Carta para Zara

Dizem que o destino tem o poder de provocar encontros. Talvez tenha sido isto. Na verdade eu nunca havia pensado seriamente em te encontrar.  E isto aconteceu inicialmente através de uma mensagem virtual e uma foto tua. Devo confessar que embora tenha te achado muito bonita pela fotografia, sinceramente não estava muito motivado, pois internamente sabia que irias mudar a minha rotina e não estava disposto a abrir mão dos meus hábitos. De qualquer maneira tomei coragem e fui te conhecer.  Ao sermos apresentados pude notar que estavas muito debilitada e me informaram que já tinhas sofrido muito, conseqüência de pessoas que não te deram o devido valor. Por outro lado, houve uma empatia espontânea, como se já nos conhecêssemos há tempos e decidimos, sem necessitar de uma única palavra, apenas pelo olhar, que um iria fazer parte da vida do outro. Caminharíamos juntos dali pra frente.
Hoje já faz quase seis anos que convivemos e tua amizade e fidelidade têm sido muito importantes. Quando a tristeza bateu em minha porta e  me senti “num mato sem cachorro”, ou mesmo  “um cachorro caído de um caminhão de mudança”, tu estiveste ali ao meu lado, sem cobranças, sem exigências e tua companhia me acalmou.  Quando a alegria fez morada em meus dias, e me senti como se fosse um poodle de madame, lá estavas a dividir comigo as vitórias.
Alguns amigos me questionaram a razão de escrever esta carta, já que certamente nunca irás ler. Não importa. Sobre isto fiz até uma piadinha boa pra cachorro dizendo que, pelo menos (ou pelos mais), “o Rot vai ler”.  Horrível né?
Bem, continuando, confesso que ainda me espanto ao perceber a alegria nos teus olhos quando sentes minha presença, pois, sinceramente, não acho que tenha feito tanto por ti, a não ser retribuir um pouco da tua atenção. Vives a querer me agradar e mesmo quando não estou muito para brincadeiras, animais minha existência e insistes em me mostrar que a melhor coisa da vida é dar um passeio pelas ruas em um dia de sol. E lá vamos nós outra vez!
Claro que, por vezes, temos nossas desavenças, mas, passado alguns momentos, nos tornamos ainda mais próximos.  Tudo porque, na verdade, sei que sou “um osso duro de roer” e tens uma verdadeira paciência de cão para me suportar.

Vou terminando por aqui estas mal traçadas linhas te dizendo que, apesar de todos estes anos e de nossa feliz convivência, é importante ressaltar uma coisa, que não sei se irás gostar, porém, todos comentam e é a mais pura verdade: Tu és uma cachorra!

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A bolha assassina


Quando criança pude assistir pela televisão a um filme de horror americano cujo título no Brasil é “A bolha assassina”.  Uma película clássica do gênero que deixava todo mundo tremendo de medo ao narrar a história de uma “coisa gosmenta” vinda do espaço que crescia de tamanho e engolia tudo por onde passava.
O termo bolha hoje ganhou um sentido diferente no mercado financeiro, mas continua assustando e, por vezes, assassinando, por assim dizer, muitos sonhos de milhões de pessoas no mundo. A bolha, fugindo do economês, seria algo que parece estar em evolução ou desenvolvimento, mas, na realidade, é apenas um efeito ilusório e a qualquer momento pode “estourar” e prejudicar incautos investidores e consumidores comuns.
A pergunta que não quer calar neste início de 2014 é: será que nós brasileiros vivemos algumas bolhas nestes últimos anos e estas estariam prestes a estourar?
Vejamos alguns prováveis trailers deste thriller.
O comércio de maneira geral viveu em 2013, um dos piores Natais dos últimos anos e Papai Noel entrou pelo cano e não pela chaminé e ainda mais de saco vazio, revelando que estejamos caindo na real e o real esteja caindo também.
Na construção civil nunca se viu tanto prédio, tanta obra ser projetada e construída de um dia para outro nos últimos anos, principalmente através do projeto Minha Casa, Minha dívida, digo Minha Vida, da Caixa Econômica Federal.  Hoje a mesma iniciativa pode ser denominada Minha Casa, Minha dúvida: será que existem ainda compradores para tipo de empreendimento? Quem pode nos dias atuais pagar 30% de entrada, ou seja, 45 mil reais, considerando a compra de um apartamento que custe aí por volta de 150 mil reais? Segundo apurado pela revista Veja de setembro, a inadimplência deste programa já chega ao índice de 20%. Economistas (ou alarmistas?) de plantão afirmam que o Brasil vive uma “bolha imobiliária” provocada principalmente pela alta “inexplicável” dos imóveis.
Outro setor bússola da economia é o automobilístico que fechou o ano de 2013 no país com resultado negativo depois de nove anos de incremento de vendas.  A coisa escureceu um pouco também na linha branca, a dos eletrodomésticos, registrando também queda nas vendas em 2013.

No filme “A Bolha assassina” esta explode no final e a paz e a tranqüilidade voltam a reinar. Aqui na terra brasilis, vamos torcer para que não estejamos vivendo o inicio de um filme de horror, resultado de cenas protagonizadas por muitos que se preocuparam apenas com o sucesso de bilheteria (leia-se voto nas urnas) e muito pouco com a vida real e sem fantasia da maioria dos cidadãos.