As ruas de uma cidade contam muito sobre o
desenvolvimento, o crescimento comercial, a situação econômica de determinada
comunidade. Mas, sobretudo, nos revelam, sociologicamente, como as pessoas
vivem, seus hábitos, comportamentos e até, se mais atentos, o que elas pensam e
sentem.
A Rua Assis
Figueiredo em Poços de Caldas é o termômetro do município. O espelho de quanto à cidade cresceu nas últimas
décadas. É possível detectar, nas fachadas das lojas, na chegada dos grandes magazines,
no número cada vez maior de veículos e no passo apressado dos transeuntes que
aquela Poços bucólica de anos atrás existe apenas em fotos amareladas pelo
tempo.
Hoje, por ali, diariamente se encontram e se esbarram,
comerciantes e comerciários, empresários e empregadas domésticas, profissionais
liberais e políticos de todos os partidos (incluindo os não liberais), muitos
pais e filhos e muitos filhos sem pais, “mautoristas” e “mortociclistas”, donas
de casas e madames, jovens idosos e idosos jovens, pessoas ligando e desligando
o celular, gente que vai e vem, que entra e sai, que fica e vai.
Em meio a tudo isto, há anos, Carlos observava
cotidianamente a multidão. Já de muletas, em razão de um problema de saúde, sua
figura imóvel, encostada geralmente na parede de um estabelecimento,
contrastava com o frenesi existente nas calçadas. Os da nova geração passavam
por ele como se Carlos fosse um poste e alguns até, quando notavam sua
presença, se desviavam para não serem incomodados por um suposto pedido.
Afinal, aquele sujeito ainda jovem e meio gordo, de barba por fazer, de camisa
xadrez, calça jeans, parecendo um caubói sem cavalo, não combinava em
nada com a moda e os modos dos dias atuais. A pressa no passo nos faz apressar
a falta de apreço.
Por outro lado, Carlos era muito conhecido,
principalmente por políticos de todos os partidos, incluindo os não liberais,
que o cumprimentavam costumeiramente, sendo que muitos até liberavam um
dinheirinho rapidamente, pois, se sabe, existem coisas muitos mais importantes
a serem discutidas e resolvidas. Como ficar conversando com Carlos sobre
cavalhadas (seu assunto predileto) se o trânsito está ficando caótico, se
existem pessoas precisando de atenção nas escolas e hospitais, se as drogas
invadem as ruas e lares e, a violência, por ser tão costumeira, já nos deixou
de violentar?
Ah, Carlos, você não sabia que o mundo mudou demais e
sua presença, seus assuntos triviais, sua risada marota e até infantil, já não
cabiam na Poços de hoje. Você teimava em viver na Rua Paraná, que hoje Carlos,
se chama Rua Assis.
Na ultima sexta feira, Carlos Donizetti Cerezani, o
popular “Armoço”, nos deixou. Com certeza, não será nome de rua e nem terá seu
nome citado no Google. A Rua Assis continuará seu movimento frenético e ninguém
por ali notará sua ausência.
Alguém
lá de cima o chamou para conversar sobre Cavalhadas e hoje, honrosamente, Carlos,
o “Armoço”, já faz parte da Ordem de Cavaleiros de São Jorge. Alguém dúvida?