quinta-feira, 15 de março de 2012

Ô Tio!

A gente nem percebe, ou finge não perceber, mas parece que todo mundo percebe. Quando a gente vai ficando idoso (vai idoso?) qualquer coisa serve para nos lembrar até um fio de cabelo (branco) no paletó. Afinal, são dezenas de águas de março de muitos verões e daí, é a dor no pescoço é a dor nas cadeiras é o joelho falhando é tanta a canseira. Por falar nisto, a música “Águas de Março” (Tom Jobim) completa 40 verões agora em março de 2012.
Entre as coisas que insistem em nos lembrar dos danos provocados pela erosão, uma das piores é a fotografia, que insiste em revelar a cor sépia da vida. Em tempos de facebook, as nossas faces de outros books estão expostas para o mundo inteiro compartilhar – “Quem é este aqui na foto! – É fulano! – Caramba! (expressão usada por pessoa tão antiga como você) como o mundo judiou dele”. Alguém olha a foto sua de outros carnavais (no passado, você era folião, no presente “fui leão”) e comenta:- Poxa, como você está diferente nesta foto! Na real, o que a simpática pessoa está dizendo é “você está acabadinho, hein?“. Claro, existem os recursos do fotoshop e da cirurgia plástica, esta última que, por vezes, só estica e puxa. Olha a Xuxa e o Amaury Junior, aí gente!
Outra manifestação de quem já entrou na fase dos “enta”, é o tempo. Não somente o cronológico, este inquestionável, mas, o atmosférico. Está calor? É aconselhável sair bem de manhã ou após as 17 horas e, de preferência, não esquecer o guarda chuva ou a sombrinha e, para os senhores, o boné sobre a careca reluzente. Ah! Levar um casaco, pois vai que o tempo muda e daí aumenta-se a chance de pegar um resfriado, melhor evitar. Está frio? Tire da gaveta, a ceroula, a meia de lã, o cachecol, sobretudo, os agasalhos com aquele cheiro de naftalina. Você se lembra da japona (que não era o feminino de japonês) e também do mantor? Fazer o quê? Tem outro remédio? Epa, alguém aí falou de remédio?
Há uma relação direta, quantitativa até, entre a idade e os remédios. Genericamente, quanto mais aumentamos a nossa idade, mais adquirimos contra-indicações. Quando jovens, tínhamos pressa e éramos comprimidos por nossas atividades profissionais e sociais. Hoje, vivemos de compressas de água quente e os comprimidos são acessórios obrigatórios em nossa farmácia caseira. Descobrimos também que, a antiga pressa, é substituída pela pressão, exigindo sempre controle. Aliás, vivemos sob controle e remoto. É vital o controle do triglicérides, do ácido úrico, do colesterol, do açúcar e do sal na alimentação, do peso, do estresse e também do controle emocional. E então, as cápsulas, supositórios, xaropes, pomadas e cremes, ampolas, frascos, antibióticos, bulas e prescrições médicas fazem parte do cotidiano.
Outra situação que delata (e dilata) a idade que temos são os encontros com os amigos, muitos destes encontros, infelizmente, no velório. Alias, nesta fase existem apenas dois tipos de amigos: os velhos amigos e os amigos velhos. E os papos? Doenças atuais e o futebol de antigamente, mulheres (a única que temos, as que mentimos que tivemos e as que nunca teremos), dinheiro (o que outros têm e tiveram e o que nunca teremos), música (aquelas que nos tocam e que ninguém toca mais) e os “bons tempos aqueles” (para tudo o mais que resultar da comparação entre o ontem e o hoje).
Calma. Ficar com a Data do Nascimento Antiga (problemas de DNA) tem sim suas vantagens para aqueles com mais de 60 anos: atendimento preferencial no SUS, remédios gratuitos, transporte coletivo gratuito, 50% de descontos em atividades de cultura, esporte e lazer, reserva de 3% das unidades em programas habitacionais, caixa preferencial nos bancos e supermercados. Claro que para tudo isto teremos que sair de casa. Daí, não esquecer do bonezinho, do guarda chuva, do agasalho, do protetor solar, daquele remedinho...
Mas, qual o momento em que a gente tem realmente certeza que virou dinossauro?
É simples. Você está em qualquer lugar, fazendo qualquer coisa e vem qualquer jovem que não é seu sobrinho ou sobrinha e lhe diz: - Ô tio!
Pronto! Sua inscrição foi aceita.
Bem vindo ao Clube da Saudade das noites que não voltam mais.