terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Santa Maria rogai por nós


A tragédia na cidade de Santa Maria (RS) ocupa os espaços da mídia e das reflexões do cotidiano. Se a dor dos familiares é infinita, o assunto poderá ser mais um com tempo de duração previsto para “enquanto for notícia” e daqui a pouco contabilizado nas estatísticas das “fatalidades” ocorridas no país ao longo de sua história. Hoje procuramos os culpados, amanhã somos todos inocentes. Hoje discutimos sobre alvarás, responsabilidades, desrespeito, necessidade de maior fiscalização. Amanhã, colocaremos nossos crachás de pacatos cidadãos e correremos novamente atrás da falta de dinheiro que é fatal.

Por enquanto, estamos assim, buscando o conforto na espiritualidade e sentindo o desconforto da realidade. Entre o abraço possível da solidariedade e a impossibilidade das soluções. Entre a potência do divino que habita em nós e a prepotência do humano que insiste em nos rodear.

Contudo existe sempre um pouco de Fênix em cada brasileiro e quem sabe o renascer não esteja próximo? Quem sabe a cidade de Santa Maria seja, nas cinzas, a verdadeira divisora das águas?

Quem sabe a cidade de Santa Maria, seja a redentora das nossas crenças e com a morte de seus filhos, interceda por nós para o nascimento de uma nova nação?

Quem sabe a cidade de Santa Maria possa rogar por todos nós brasileiros contra a emissão dos gases tóxicos da corrupção e dos desmandos que há tempos inalamos e nos retire da nossa omissão e daqueles que nos representam?

Quem sabe a cidade de Santa Maria que hoje está de luto, não nos motive à luta por um Brasil muito melhor?

Assim seja. Santa Maria rogai por nós.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Agora e daqui a pouco


Ela promete o prazer, a felicidade permanente, o êxtase, o encontro com os deuses, à liberdade. Ela encanta os incautos, inebria os entediados, seduz inocentes. Ela diz expandir a consciência, eternizar a sensibilidade, realizar os desejos impossíveis. Ela está ali na esquina, frequenta as escolas, se diverte nas baladas. Mas pode ser encontrada também em consultórios e escritórios, nas portas das empresas, no trafegar das rodovias, na orla das praias, nos bairros mais ricos, nas palafitas e favelas. Encontra-se disponível à luz do dia e na negritude da noite, 24 horas por dia. Pode se vestir de terno e fraque ou até de camiseta e bermuda. É percebida no olhar de um adulto, mas já se encontra também disfarçada no sorriso de uma criança. Sua chegada é comemorada com fogos e euforia e a sua amizade pode ser para sempre.

Ela sequestra os sonhos, aprisiona os sentidos, rasga os contratos, ceifa os laços da amizade. Ela enfraquece os órgãos, apodrece os membros, desconfigura os sentidos, envelhece a face. Acorrenta a liberdade, desilude a vontade, assassina o amor. Ela perturba a paz, macula a fé, apaga a esperança. Adoece as famílias, invade os quartos das clínicas, ocupa as celas, preenche as valas dos cemitérios. Inocula as veias e contamina o sangue. Inala as narinas e retira o ar. Compartilha o cérebro e deleta a consciência. Ela é doença crônica do corpo e da alma, a solidão do cosmos, a ferida que nunca se fecha, a tristeza do adeus, a ausência da poesia, o desafinar dos instrumentos, o choro incontido, o desespero da dor, o tsunami social.

Agora, o prazer, a liberdade, saúde e vida.

Daqui a pouco, a dor, a prisão, doença e morte.

Droga- o agora nunca vale pelo daqui a pouco.

 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Muito além do jardim

O prefeito Eloísio Lourenço terá muitos desafios pela frente na administração municipal, o que não o difere de outros que o antecederam. O maior deles, talvez, será o de atender às expectativas: do partido que ele representa, dos eleitores que votaram nele, daqueles que não votaram, mas se declararam felizes com sua vitória, dos que dizem serem “Eloísio desde criancinha”, dos que afirmam que o “coronelismo agora acabou” ou simplesmente dos que somente querem uma “vaguinha” no seu governo. Em razão de tantas esperanças, a cobrança será grande e o início da sua administração na escolha do seu secretariado parece, de maneira geral, ter agradado. Mas, a aliança com partidos que lhe eram adversários durante a campanha eleitoral, gerou descontentamento em muitos eleitores. “Política é sempre assim, é tudo farinha do mesmo saco”, afirmam os descontentes. “Não dá para governar sozinho” disse o prefeito na convicção de que os fins justificam os meios. O certo é que o “purismo” que caracterizou a vitória de Eloísio já sofreu seu primeiro impacto provocando certo desencanto naqueles que acreditaram no bordão da sua campanha que pregou “a verdadeira mudança”.

Muita hora nesta calma. Como disse o escritor John Wilmot, “antes de casar, eu tinha três teorias sobre educar crianças, agora tenho três crianças e nenhuma teoria”. Assim, para analisar com maior profundidade a “gestação” do novo governo é necessário aguardar o desenvolvimento das “crianças”.

Embora nada tenha sido informado até o momento pela equipe de transição, já se sabe que o prefeito terá uma primeira tarefa: equilibrar as contas da prefeitura. Diga-se de passagem, (de ano), isto não é novidade pra ninguém, e também não é, diga-se de passagem, (de comando), um privilégio nosso, pois a quase totalidade dos municípios brasileiros passa pelo mesmo problema.

Outras questões talvez sejam mais específicas e irão exigir muito da nova administração: como manter a coalizão política enfrentando as inevitáveis colisões partidárias? Como elaborar o necessário planejamento de governo e simultaneamente o “fazejamento” necessário para a concretização de obras e ações? Como combinar o conhecimento acadêmico com as práticas gerenciais em uma prefeitura com dezenas de setores e milhares de servidores? Como mudar um sistema que foi se perpetuando ao longo dos anos para o bem e para o mal e efetivar a necessária modernização da máquina pública?

São inúmeros os questionamentos e o tempo, sempre ele, é que trará as respostas. Porem, pelo que temos acompanhado nas administrações que se sucederam, cabe importante reflexão que não se refere apenas ao novo governo municipal. É urgente, prioritário, fundamental, a reflexão sobre o futuro da cidade. Não dá mais para administrar enxergando apenas o tempo presente, colocando a cidade como refém de ações improvisadas que comprometem os anos vindouros. Para isto, necessário sair da “beleza” das flores e ir muito além do jardim.

Ao longo do tempo, ficamos tão encantados olhando para o espelho, admirando as nossas belezas naturais, que não cuidamos dos “espinhos” em razão de um crescimento desordenado. Necessitamos agora de “jardineiros” quem possam pensar hoje o que queremos para o amanhã. Isto significa analisar e valorizar o passado, diagnosticar o tempo presente e projetar o futuro na consciência de que “só e possível compreender a vida olhando-se para trás, mas só é possível vivê-la, olhando-se para frente”.

A você, Poços, felizes anos novos!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

PASSAGEM

Não sei você, mas a passagem de ano, sempre me incomoda. Depois até me ajeito na poltrona, me acomodo, me sossego. Mas, a intersecção entre o velho e novo, me parece exigir novas atitudes, novos olhares, novas formas de fazer e me relacionar com coisas e pessoas. O ano velho falando tchau e o outro chegando, batendo na porta, exigindo o novo, de novo. É um cobrador de ônibus solicitando o ticket e questionando. “E aí, vai ficar nesta sua vidinha besta? Trabalhando, estudando, fazendo compra no supermercado, assistindo futebol na TV, pegando filme na locadora, saindo com o cachorro, discutindo a relação...”. A sensação é a de estar em uma rodoviária, cheio de malas e pertences antigos embarcando em nova viagem rumo a um destino que desconheço, ou mesmo que conheço por demais e, exatamente por isto, a palavra mudança chega sempre no imperativo.


Que tal um corpinho novo? Entre em uma academia, faça musculação, olha a dieta, não se esqueça da caminhada, beba com moderação, restrinja a ingestão de alimentos gordurosos, frutas e legumes sempre. “Por que tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda?”. Claro, tem homem fazendo botox, cirurgia plástica, implante de cabelo. (Não sei. Já sou um semi-novo com pneu meia vida e motor recondicionado. Não se muda por fora, o que por dentro já se consolidou. Vou esperar a viagem seguir mais a frente).

Que tal uma mudança de emprego? Largue tudo o que está fazendo hoje e seja um empreendedor. Monte um boteco, uma pizzaria. Tecnologia é o que manda. Invista em um site de compras coletivas. Vai vender hardware, software, tupperware. Seja mais radical ainda. Mude de cidade, largue as montanhas e vá viver em uma cidade praiana. Tire o sapato e a gravata. Coloque um chinelo e um calção, vá vender coco e comida natural. Largue o consumismo e seja adepto do zen budismo, do bermudismo. Monte uma pousada em uma praia de nudismo. (Sei não. Quem me garante que não vou nadar, nadar, e morrer na praia? Não sou muito chegado ao sol e ficar passando protetor solar e repelente não é algo que me cheira bem. Vou esperar a viagem seguir mais a frente).

Que tal um novo amor? Uma linda mulher em um último tango em Paris ou mesmo em um lugar chamado Nothing Hill? Um Titanic de paixão, antes do amanhecer? Que tal virar um Shakespeare apaixonado sob as pontes de Madison, como se fosse à primeira vez? (Não sei. Já sei letra e música e as 10 coisas que minha mulher odeia em mim e acredito que sempre alguém tem que ceder mesmo. As lendas da paixão tendem a durar pouco, no máximo, nove meses. Vou esperar a viagem seguir mais a frente).

Enfim, não vejo à hora de terminar o mês de janeiro, quando o ano novo já começa a ficar velho. Mudanças? Vou esperar até o final de ano, quem sabe...