domingo, 22 de fevereiro de 2009

Os mesmos bondinhos que sobem, são os mesmos que descem

Estava eu no sexto andar de um edifício na rua Goiás em Poços de Caldas, lá pelo finalzinho da década de 80. Distraidamente, olhava pela janela e me encantava com os contornos femininos e a beleza da serra de São Domingos, com os diversos prédios que iam se formando e que já demonstravam, naquela época, a inexorável horizontalização da cidade. Se me esforçasse um pouco, poderia, ao me debruçar, ver a presença imponente do Palace Casino, rodeado pelo belíssimo jardim do Parque José Afonso Junqueira.
Com certeza, e se me recordo bem, e não me recordo bem, por isso, há controvérsias e dúvidas, pensava em alguma recepção ou decepção amorosa. Nesse devaneio, me acompanhava ao fundo e, literalmente como fundo musical, o hoje saudoso Tim Maia, que com sua voz grave e retumbante interpretava “Gostava Tanto de Você”, naquela bolacha chamada long-play, ou para os íntimos, LP.

“Não sei porque você se foi, quantas saudades eu senti...”

Tudo ia muito bem, como uma propaganda de cigarros ou de carros na TV, como um quarto de adolescente do rock anos 80, como um jogo de fliperama na Praça Pedro Sanches daquele tempo, quando de repente, caiu a ficha, ou o palco caiu.

“Eu corro e fujo dessa sombra em sonhos, vejo o meu passado...”

Uma luz me acordava, e piscando me lembrava, que eu estava “no ar”, como locutor da Rádio Cidade FM. (E nesse momento, abro um parênteses para lembrar aos queridos ouvintes, quer dizer, leitores, o que era uma emissora de rádio FM naquela época. O locutor tinha a sua frente uma mesa Scala de 6 canais para controlar uma série de aparelhos: dois toca-discos, um gravador de rolo, a cartucheira para comerciais e vinhetas -que sempre emperrava nos momentos mais difíceis-, um toca fitas, além, é claro, do próprio microfone. Hoje, só para comparar, em uma emissora de rádio, o computador faz tudo, até demite locutores).


“E eu, gostava tanto de você, gostava tanto de você.”


Atordoado, percebi que Tim Maia, que naquela oportunidade havia ido ao show, deixava o palco sem dar satisfação ao público e me deixava também na mão, pois a agulha do toca-discos nos sulcos do LP, sinalizava que a música havia chegado ao seu final.
Sem saber para onde correr, aliás nem havia espaço para isso, ou a quem recorrer, abri o microfone para dizer algo que pudesse preencher o vazio, ou o temível “deu branco” que assustava e assusta os locutores de plantão. Por falar em plantão e mais como decorrência de sonoridade, e até por uma questão de calamidade, poderia eu, naquele momento, ter dito alguma frase de Platão, como “não há ninguém, mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o amor toma conta dele.” Até porque, o amor era platônico naquela época.
Mas, desconhecendo Platão , vendo os pratos do toca disco na minha frente, o microfone aberto, os ouvintes ou “outrintas” aguardando uma voz que pudesse tirar a todos do terrível silencio, Tim Maia indo embora, e ao ver, bondinhos coloridos que subiam a serra de São Domingos e pessoas em branco e preto, tomei uma atitude. Em um reflexo de inspirada sabedoria, lancei ao espaço a indagação que mudaria a minha vida e a de muitos:
“Você sabia que os mesmos bondinhos que sobem são os mesmos que descem?”.
Sem dar tempo para a resposta, já que esta exigiria uma profunda reflexão minha e dos privilegiados ouvintes , fechei o microfone e, imediatamente, coloquei na cartucheira uma vinheta que dizia sonoramente: “Cidade FM – a rádio que toca você”. Hoje, passado alguns anos, muitas pessoas, se questionam, ao passarem em frente ao bondinho em Poços de Caldas (e a dúvida continua existindo) se os mesmos bondinhos que sobem são realmente os mesmos que descem.
Me faz lembrar e, longe de mim qualquer comparação, o escritor
Carlos Drummond de Andrade, que em sua sábia reflexão afirmou que media in via erat lápis, erat lápis media in via ou “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho". Será?

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