domingo, 24 de janeiro de 2016

E as águas rolaram

Estava, como centenas de pessoas, pelas ruas centrais de Poços durante a enchente que atingiu a cidade. Senti, como muitos, um misto de tristeza, desolação e impotência. Em meio a lama e lamentos, carros empilhados, estabelecimentos comerciais inundados e mercadorias sendo levadas pelas águas, pude perceber, além do murmúrio das vozes que comentavam a tragédia, um silêncio inquietante como estivéssemos todos em uma mesma procissão de dor. Inevitável perceber que o slogan “cidade das águas”, naquele momento, nos sinalizava conotações muito diferentes daquelas enaltecidas pelo turismo termal.
Impossível não se sensibilizar com proprietários de lojas, colaboradores e pessoas anônimas solidárias que tentavam juntas, ao retirar a lama, ao limpar o chão, ao recolher mercadorias, minimizar os prejuízos diante de tantas perdas e danos. Pensei então, como muitos, nos possíveis motivos que provocaram tal tragédia e também nas limitações humanas diante das forças da natureza. E se águas rolaram pelas ruas e avenidas, se muitas lágrimas rolaram pelas faces, o que contabilizar diante de tudo aquilo que os nossos olhos registravam?
O momento agora é de reconstrução, não só do patrimônio físico atingido pelas águas, mas, da nossa consciência sobre o cuidado com as nossas nascentes e a ação permanente de limpar rios e córregos que circundam a cidade. Se faz urgente um estudo técnico-profissional que possa mensurar como se encontra verdadeiramente a saúde hidrogeológica do município. Um relatório detalhado sobre os impactos provocados pela impermeabilização do nosso solo e o assoreamento dos nossos rios. Um trabalho que demonstre a real situação de nossas barragens e as construções de casas e prédios ao entorno dos córregos.
Precisamos ir muito além do jardim, buscando enxergar além das aparências da “cidade da saúde e da beleza”. Necessitamos que nossos administradores públicos se comprometam com órgãos vitais, como a água, o esgoto, a saúde e a educação e não se encantem e se inebriem diante nossas belezas naturais. É vital ir além da embalagem e pensar no conteúdo.
Á água é um elemento que tem entre as suas funções a de limpar o que se encontra sujo. O momento é de limpeza de ruas e lojas, mas, principalmente, dos erros que há anos vivenciamos: a falta de planejamento urbano e o descaso com aquilo que é realmente essencial. Nesta premissa, fundamental não promover a “caça às bruxas”, utilizando nossas fragilidades como instrumento político para apontar culpados buscando utilitariamente obter dividendos eleitorais. Todos nós, uns mais, outros menos, temos nossa parcela de culpa e cometemos nossos pecados diários, ao lançar dejetos nos rios, ao poluir nossas matas, ao não deixar “respirar” a natureza, ou simplesmente, pela nossa omissão com os destinos da cidade.
A enchente, tão dolorosamente vivenciada, veio nos resgatar a solidariedade.
Que ela sirva para resgatar também o bom senso e o discernimento dos nossos homens públicos, para que deixem de pensar apenas nos frutos do poder e se preocupem mais com o solo e a água que abrigam e dão vida à semente.
Que ela seja também um instrumento de reflexão inundando a consciência de todos nós, para repensarmos nossas ações diárias de descompromisso com a natureza e com o futuro desta cidade.


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