Há tempos vivemos um Brasil doente. Anos de corrupção
generalizada, desmandos, impunidades, licitações ilícitas, superfaturamentos,
jeitinhos, falcatruas, incompetências, nepotismos, desvio de verbas resultaram
na falência múltipla dos órgãos públicos, partidos políticos, instituições
governamentais e não governamentais, dezenas de empresas públicas e privadas e
veículos de comunicação.
As recentes crises econômicas nos Estados Unidos e na Europa
maquiaram a nossa realidade. O brasileiro comum teve acesso aos
eletrodomésticos, ao primeiro carro, ao apartamento nos conjuntos
habitacionais. Assistimos a ascensão da classe C e foi possível viajar de avião
para o exterior. Parecíamos saudáveis.
Contudo, a facilidade de consumo apenas camuflava a metástase
que se espalhava por todo o organismo social.
Aos poucos, os sintomas foram aparecendo: inadimplência em alta,
criminalidade sem controle e a inflação refletida nas etiquetas dos produtos
nos supermercados mostraram enfim, nossa verdadeira cara. “Brasil mostra tua cara quero ver quem paga pra gente ficar assim”.
(Brasil – Cazuza)
As tentativas de manter o país em tratamento paliativo somente
comprovaram que remédios caseiros como Bolsas e Cotas têm prazo de validade. Verdadeiros
placebos governamentais que colocam o paciente por mais tempo vivo em
respiração artificial.
O país necessitava de algo mais forte que pudesse amenizar aquela
dor civil que, embora dissimulada, nos tornava amorfos, anêmicos, apáticos e
depressivos.
Foi aí então que algo aconteceu. Assim como uma simples
faísca pode detonar um barril de pólvora, redescobrimos que éramos cidadãos e
não consumidores e que havia um lugar para ser a vitrine do nosso
descontentamento coletivo contra a política de gabinetes: as ruas, praças,
avenidas e rodovias. Um pequeno riacho então se avolumou e se transformou em um
tsunami de cidadania. Milhões de pessoas saindo de suas casas pelas mais
diversas causas, gritando o seu não conformismo, incomodados com a acomodação
das nossas autoridades. Faixas e cartazes utilizavam frases imperativas de
ordem como “Desculpe o transtorno. Estamos mudando o Brasil”. A nação vivendo a
indignação na primeira dose de quimioterapia social, depois de anos de silêncio
de uma ditadura partidária que também se travestiu de democracia para se
autodenominar a voz do povo. Mas não foi
sem dor. Atos de vandalismo, tentativas de apropriação partidária dos
movimentos, perdas de vidas humanas e prejuízos financeiros nos ensinaram que
nos processos de cura há contraindicações.
Apesar de tudo que estamos vendo e vivendo, importante
lembrar que não estamos curados. Os movimentos sociais enfrentam uma doença
degenerativa que há dezenas de anos comprometem o funcionamento do corpo
social. Necessário fortalecer nosso sistema imunológico contra os vírus,
bactérias e parasitas que há anos estão impedindo nossas melhorias. Necessário
continuar com o tratamento intensivo, eliminando células malignas que insistem em
destruir as esperanças de um Brasil mais vivo, mais forte e mais livre.
“Apesar de você, amanhã
há de ser outro dia, você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia”. (Chico Buarque -Apesar de você)
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