sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O osso

Os grandes cães (dobermanns, pitbulls, rotweillers) viviam ao lado dos cachorros médios e pequenos e, por vezes, até se misturavam. Mas tudo era muito “cãotrolado” e já fazia tempo, muitos anos, que os grandes, cuja idade era também mais avançada (alguns até com artrites, escolioses, lordoses e cifoses) estavam atentos e faziam grandes articulações para que o osso não caísse nas mãos, digo, bocas dos cachorros médios e menores. Ladravam eles: “o osso é nosso e não podemos de maneira alguma deixar que estes vira-latas, “cãomunistas” e “menorzinhos” (chihuahuas, bassets, poodles) o abocanhem. Cães grandes unidos jamais serão vencidos!”. 
O osso era realmente muito bom, tinha altas reservas minerais, principalmente enxofre, e qualidades protéicas e naturais que o tornavam diferenciado.
Alguns cachorros médios (labradores, dálmatas, pastores-alemães) observavam a “briga” pelo osso e questionavam quais seriam as verdadeiras rações, digo razões, que faziam com que os grandes não deixassem que ninguém mais tomasse conta do osso. Chegavam até, em determinadas épocas, a rosnarem. “Estes cachorrões são ossos duros de roer, verdadeiros lobos. Por que não querem largar o osso? Isto não pode continuar assim. Precisamos ir até o “cãogresso” e mudar esta situação”.  Mas, passada a eleicão, a vida voltava ao normal e tudo permanecia como antes “no quartel do Abrantes”.
E assim, os anos foram passando e a vida naquela “cãomunidade” não mudava. Mandava quem podia (os grandes cães) e obedecia quem tinha os cisos, ou caninos (pequenos e médios cachorros).
Mas e o osso? Ah! Este continuava forte, pois tinha, como já foi dito, uma estrutura molecular invejável e cartilagens que auxiliavam a reduzir os fortes atritos que o osso vinha enfrentando ao longo do tempo. Entretanto já se podiam notar pequenas fendas indicando problemas que os grandes tentavam esconder. O medo dos pequenos e médios era com a temível osteoporose. Era preciso fazer alguma coisa.
Foi então que, lentamente, de maneira não muito organizada, cachorros médios e pequenos passaram a se reunir nos terrenos baldios, em esquinas mal iluminadas, nas ruas esburacadas dos bairros da periferia. Os médios e pequenos estavam “mordidos” e foram tomando, sem que fossem notados, os espaços reservados aos grandes. E os latidos, antes tímidos, tornaram-se raivosos e barulhentos. Uma “revolucão” se configurou nas palavras de ordem em faixas e cartazes espalhados pelas vizinhanças. “O osso é de todos”. “Cachorros unidos jamais serão vendidos”.
E foi assim então, que um dia, aquele osso, antes propriedade particular de um pequeno grupo de cães, se repartiu em milhões de minúsculas partes e, hoje, alimenta a todos daquela pequena aldeia.
“Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”-Victor Hugo.

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