sexta-feira, 2 de abril de 2010

O "caminhão" e o sonho

Você, com certeza, já enfrentou a seguinte situação: está de carro em uma rodovia e na sua frente trafega um caminhão. A rodovia é de pista única e a faixa contínua sinaliza que é proibida a ultrapassagem. O que fazer? Seguindo os princípios da direção defensiva, o melhor é reduzir a velocidade para estar compatível com a do caminhão e aguardar o momento propício e legal para realizar a ultrapassagem.
A administração pública (federal, estadual e municipal) é um caminhão pesado, pois carrega vários departamentos, secretarias, milhões de servidores e que deve trafegar em uma velocidade compatível com as leis de responsabilidade fiscal, diretrizes orçamentárias, licitação etc.
Desta forma, são muitas as pessoas que reclamam da burocracia e da conseqüente lentidão da administração pública, incluindo os próprios servidores públicos. Não é raro encontrar pelos corredores, servidores lamentando que não conseguem resolver determinado problema dado à velocidade do “caminhão”.
No início da carreira seja como concursado ou mesmo exercendo cargo de confiança, os servidores bens intencionados buscam aumentar a velocidade, agilizando processos, dinamizando as ações, criando alternativas. Surge até o “servidor voluntário”- aquele que tenta resolver os problemas trazendo de sua própria residência, algum equipamento ou ferramenta necessária ao melhor desempenho de sua função. Começam também a surgir os primeiros conflitos com outros servidores já acostumados (ou acomodados) à lentidão e a pouca resolubilidade do “caminhão”. Estes servidores bem intencionados se descabelam, discutem com outros do mesmo local de trabalho, começam a ter problemas de saúde, entram em depressão e pedem até afastamento temporário.
Tais fases são como as dos sintomas do luto, definidas pela psicologia: o choque, a negação, a raiva, a depressão e, por fim, a aceitação com o “modus operandis” do “caminhão”. O servidor percebe que não pode ultrapassar o caminhão (as leis não permitem), que se tentar aumentar a velocidade irá bater na traseira do caminhão (ter problemas de saúde) e que lhe cabe apenas reduzir a velocidade, ou seja, se adaptar com o tráfego lento da rodovia (se acomodar com a situação).
Os “motoristas” dos caminhões, por sua vez, passam também pelas mesmas frustrações: não conseguem dirigir na velocidade que esperavam (os tacógrafos não permitem), não têm o combustível (dinheiro) que imaginavam e ainda enfrentam as pressões naturais (ou não) da função, isto para não mencionar os “caronas” do poder.
O próprio ambiente público gera insatisfações. O servidor concursado a cada quatro anos é obrigado a conviver com um novo chefe, uma nova administração e novas diretrizes. Ao longo do tempo, este mesmo servidor já nem se incomoda mais e fica anestesiado e apático com as mudanças. Além disso, há uma competitividade entre os “cargos de confiança” para ver quem ganha a “confiança” do chefe e isto causa desconfianças e inseguranças no setor.
O assunto é amplo, o debate é nacional e as soluções são complexas. O descrédito é geral e os desanimados são em grande número. Porém, é necessário acreditar em novas formas de gestão pública para que os “caminhões” trafeguem mais rapidamente pela rodovia do desenvolvimento. Para muitos que há anos estão no serviço público e que já passaram por dezenas de vezes pelos mesmos problemas, isto não passa de utopia, um sonho impossível, pois, “nada vai mudar, a máquina pública é assim mesmo”.
É necessário acreditar na possibilidade concreta, no planejamento e em estudos, para que, mesmo em longo prazo se realize a troca dos pneus, com o caminhão em movimento.
A máquina pública está com as suas engrenagens enferrujadas consumindo as iniciativas e limitando as atitudes. Sem atitudes concretas, o sonho pode ficar cada vez mais distante tornando real a ironia observada em frase colocada no pára-choque de um caminhão: “O sonho não acabou. E ainda temos pão doce, maria-mole e queijadinha”.

Um comentário:

  1. Além dos "caronas" citados, ainda é bom falar dos que pegam "rabeira" no caminhão"

    ResponderExcluir