quarta-feira, 11 de março de 2009

"Quem vai tocar?”

Uma experiência pessoal, que me pareceu de certa forma divertida e banal na década de 80, hoje veio à minha memória, para tentar decodificar na minha limitada visão, o novo cenário de revolução tecnológica que a muitos encantam e a outros assustam nesse milênio.
Trabalhando em uma empresa de computação em São Paulo (Kyoei Facom) como digitador e cursando Jornalismo, eu me surpreendia com a determinação dos japoneses, com a máquina perfuradora de cartões magnéticos (companheira diária de trabalho) e com a linguagem “revolucionária” da programação Cobol. Considerado um gaijin (estrangeiro) pelos japoneses da empresa, com o tempo fui conquistando a confiança dos diretores e me tornei o presidente do grêmio daquela organização. Passado alguns meses e após a realização de algumas gincanas e participação da empresa em alguns torneios esportivos, senti a falta de alguma coisa que pudesse animar a nossa torcida, pois os japoneses, em sua maioria, são discretos e reservados. Assim, com a contribuição mensal de todos os funcionários, tinha em mãos um capital para investir nesse projeto e em uma bela noite me veio uma idéia “genial” e tomei a decisão: fui até o Mappin (que na época era o grande magazine de São Paulo) e comprei vários instrumentos de percussão, como tamborim, pandeiro, surdo e repenique. Coloquei os mesmos em uma sala da empresa e o diretor ao saber dessa minha iniciativa veio me cumprimentar e com um jeito sereno e investigativo me disse: “Muito bom, né! Instrumentos de samba, animar a torcida, muito bom, né...mas, só uma perguntinha: Quem vai tocar?”.Aquela indagação caiu como uma bomba na minha cabeça. Eu havia me encantado com a idéia, porém, me esqueci do fundamental: ninguém na empresa sabia tocar aqueles instrumentos. Foi um horror! A gente ia jogar e na arquibancada a torcida batia nos instrumentos como se fossem tambores anunciando chuva, sem ritmo e sem musicalidade, literalmente, “tinha japonês no samba”.
Mas, o que tem a ver essa página, com a revolução tecnológica que a cada dia se torna mais impositiva em nossas vidas?
Muitos de nós, principalmente os que estão acima dos 40 anos, não sabem utilizar todos os recursos que a tecnologia oferece e nem parecem dispostos em aprender. Para esses, celular, por exemplo, é apenas um telefone sem fio, que serve para fazer e receber chamadas. O quê? Ele tira fotografia, marca o horário, tem despertador, transmite e-mails, tem calculadora, gravador de som... nem me fale, eu não sei mexer nisso não...isso é coisa pro meu filho!.
Isso sem falar do próprio computador, um valioso instrumento multimídia, que a cada dia incorpora um novo software, com um novo recurso, com isso e aquilo...
Quem se lembra da velha máquina de escrever, que para ser bem utilizada, era necessário o famoso “curso de datilografia” para se obter maior rapidez e um texto sem erros. Embora existam alguns “heróis da resistência”, um fato é inexorável: a tecnologia está aí e quem quiser ficar de fora, vai ser excluído nesse mundo cada vez mais competitivo e globalizado.
Porém, cabem algumas reflexões que remetem ao início desse artigo: será que a tecnologia não está criando um mundo de excluídos? Será que as pessoas que criam os novos instrumentos, estão realmente preocupadas com “quem irá tocar”? Ou estão mais interessadas no aspecto mercantilista desses novos inventos?
A propaganda de televisão é um paradigma da evolução social. Nas décadas de 60 e 70, os “novos eletrodomésticos” oferecidos às donas de casas no país, eram mostrados “pedagogicamente” através dos “reclames”. Apresentava-se o “mais moderno aparelho” e explicava-se detalhadamente o seu funcionamento. Hoje, os “reclames” apresentam o novo, mas não têm a mesma preocupação em mostrar como funciona... Quem quiser que busque, á sua maneira, essa informação.
Portanto, se torna essencial pensar que o ser humano vai continuar sendo o maior interessado nessa revolução, pois é ele o maior beneficiário ou a maior vítima dessas inovações. Ninguém pode deter a evolução tecnológica. É necessária a busca incessante, através de contínuas pesquisas na utilização da tecnologia da informação, para se descobrir o novo em todas as áreas. Porém, faz-se determinante que não percamos o foco no elemento humano, pois, se não for dessa forma, poderemos estar ampliando ainda mais as desigualdades sociais e que podem ecoar ainda mais, no fosso das cisões causadas pelo encantamento com a tecnologia. Vamos buscar “os instrumentos” para animar a vida, preocupados principalmente, com quem faz com que ela realmente valha a pena.

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